domingo, 28 de dezembro de 2008

As Cachoeiras

A ideia era ir até às Cachoeiras, lá para os lados do Sumbe/Gabela. Além de gostarmos do sítio, tínhamos oportunidade de mostrar a 4 adolescentes, entre os 14 e os 18anos que nunca tinham saído de Luanda, aspectos do seu país a que só têm acesso através de imagens de TV. A saída estava marcada para as 5 da manhã, mas a excitação era tanta entre as adolescentes que às três já estavam acordadas a preparar as coisas.

Como na Vila não existia gasóleo, raramente há dado que acaba em menos de 24 horas depois do reabastecimento dos tanques, teve que se andar 100 Km em sentido contrário para abastecer o carro. Ainda tínhamos combustível suficiente para chegar à Quibala que fica à mesma distância do Dondo mas não era certo que lá houvesse combustível. Como no Dondo há sempre, valia a pena fazer o sacrifício de mais 200 Km e não arriscar ficar na estrada. Como se esperava, no Dondo havia combustível… foi só abastecer, tomar mais um café e arrancar direitos ao objectivo.

O dia começou meio farrusco com nevoeiro e nuvens baixas na zona montanhosa que temos que atravessar no início da viagem. Manteve-se cinzento com alguns chuviscos a obrigarem-nos por vezes a meter sete pessoas nos cinco lugares da cabine do carro. Mas estas coisas em Angola são sempre encaradas como um bónus no divertimento e nunca como uma contrariedade.

Chegamos à Quibala e tal como prevíamos não havia combustível. Foram bem empregues os 200Km feitos a mais. Com menos de metade do caminho percorrido tinha chegado o fim do asfalto. Ia começar o mais difícil da viagem. Entre a Quibala e o Sumbe, com a estrada em obras, encontram-se troços de estrada péssima, estrada má, estrada assim assim, e um bocadinho de estrada boa a descer a serra da Gabela para o Sumbe. Mas a beleza da paisagem encarregava-se de apagar qualquer resquício de má disposição e enquanto olhamos o espectáculo que nos rodeia esquecemos os buracos ou a lama da estrada. Rios caudalosos, (Kuanza duas vezes, Longa, Nhia, Keve e outros de menor dimensão mas mesmo assim com uma impressionante força das águas), planícies a perder de vista com monólitos do tamanho de montanhas semeados aleatoriamente. Cordilheiras de altas montanhas a separar uma planície de outra ainda maior… e o verde. O verde de tonalidades próprias de África sempre como companhia.

O local é bonito, muito bonito mesmo e com o pormenor raro em Angola de estar limpo e cuidado. Sem a monumentalidade de outras quedas de água de Angola, impressionam pela força do grande caudal do rio. Estranho como aquela fúria das águas e o som alto e persistente tem o condão de nos trazer uma imensa e profunda serenidade. Três horas, um mergulho e muitas fotografias depois era tempo de regressar.

De regresso, a mesma paisagem pareceu perder o encanto da manhã. Ou pela luz que era diferente, o sol já espreitava por entre as nuvens pintando manchas claras na paisagem substituindo as neblinas dispersas da manhã nesse papel , ou pelo cansaço que nos fazia desejar que a casa fosse já ali, as sensações também se tornaram diferentes.

Pouco antes da chegada e já ao anoitecer, uma trovoada monumental acompanhada de chuva torrencial durante mais de uma hora, obrigou-nos a caber novamente os sete na cabine. Para mim foi um fecho com chave de ouro. Para outros nem por isso.



Com o céu todo negro e quatro grandes trovões secos mesmo aqui por cima, anunciam neste momento, 12:25 de Domingo, a chegada mais uma tempestade.

sábado, 20 de dezembro de 2008

A Força do Feitiço

A porta pedida há já algum tempo estava pronta e bonitinha. A São, a nossa fiel e imprescindível empregada, transbordava felicidade por finalmente ir ter uma porta na sua casa. Quando na quinta-feira de manhã cheguei à fazenda a primeira coisa que ela me disse foi que eu me tinha enganado na porta. No dia anterior, em vez de ter levado a porta que se destinava à casa da vila tinha levado a dela. Mas eu não tinha levado porta nenhuma no dia anterior… 1+1= a porta tinha sido roubada durante a noite.

Como foi? Quem terá sido? A conversa com os carpinteiros, os responsáveis pela carpintaria, foi inconclusiva quanto ao autor, mas deu para concluir que poderia ter sido qualquer um dos oitenta trabalhadores e que a porta não estava longe. Todos os que trabalharam no dia anterior estavam a trabalhar e como as respectivas casas ficam todas a mais de 10 Kms, não houve tempo de terem levado a porta a pé até casa e voltado na mesma noite.

Falou-se em reter os salários até a porta aparecer, os pagamentos seriam sexta-feira, ou descontar um tanto a cada um dos trabalhadores para pagar a porta à São, que representava uma quarta parte do salário mensal. Mas a São disse que não era preciso, ela própria ia tratar do assunto.

Ao fim do dia, quando o pessoal se reuniu todo para receber os cartões de ponto, entrou a São em acção. A uns minutos de discurso em Quimbumdo dirigido à plateia, seguiram-se mais alguns em Português em que disse mais ou menos isto…
- Vocês só sabem roubar e não vos basta roubar os brancos que não sabem fazer feitiço, agora também roubam os pretos? Desta vez se enganaram, a porta é minha, sou preta como vocês e sei fazer feitiço. Se a porta não aparecer ali a trás daquela madeira amanhã de manhã, vou fazer um feitiço para o ladrão morrer. Feitiço forte de morrer mesmo, não só de ficar doente. Eu sei, não custa nada. É só uma galinha que já pedi ao Tio Amândio e pouco mais. Já vos avisei.

Fez-se um silêncio sepulcral e lentamente retiraram, enquanto a São nos confidenciava que a porta ia aparecer.

No dia seguinte logo ao iniciar os trabalhos alguém encontrou a porta exactamente no local apontado pela São onde deveria ser colocada. Instalou-se de imediato uma alegria enorme com uma algazarra audível a vários Kms. Todos quiseram ajudar a trazer a porta até ao local de onde tinha sido roubada, ou pelo menos tocar-lhe. Pareceu ter ganho algo de sobrenatural.

- Eu não disse que a porta ia aparecer – Ia repetindo a São com um enorme sorriso estampado no rosto.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Saltando e Rindo

Tanta coisa que está mal. Tanta coisa que por vontade de alguém vai atrapalhando quem dedica o seu esforço ao desenvolvimento de Angola e consequentemente à melhoria da qualidade de vida dos Angolanos.

Umas vezes por incapacidade de quem está à frente dos organismos que tutela, mas na maioria dos casos apenas fruto do oportunismo de quem tem aquele poderzinho de poder emperrar isto ou aquilo, sabendo que daí poderá tirar dividendos, fazem com que caminhemos de gasosa em gasosa como quem atravessa um rio torbulento saltando de pedra em pedra, molhando os pés aqui e ali, mas sempre na esperança de chegar ao lado de lá sem um mergulho nas águas.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Fotos













Mesmo não sendo este um blog dedicado à fotografia, não resisti a colocar algumas tiradas a semana passada num passeio pedestre pela vila. Apenas a chuva que se aproximava ameaçadora em duas frentes me impediu de passar toda a manhã de Domingo entretido a guardar instantâneos para mais tarde recordar.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Os Chineses - Parte II

Continuação...

Este chinês era ainda mais pequeno, quase anão para padrões ocidentais, mas muito mais enérgico e com muito menos calma. Discutia muito com o bombeiro mas além de, chinês tem kuanza, chinês não foge, tu homem mau, quase mais nada entendíamos. Pelos gestos entendemos que ele queria que o bombeiro começasse a abastecer enquanto ele ia ao escritório pagar. O bombeiro respondia que só começava abastecer quando tivesse o papel, e mesmo depois de entregar o papel teria de passar para trás dos que já tinham entregado o papel.

A deitar chispas pelos olhos lá foi ele com passos curtos mas rápidos e cheios de energia, o carro em que veio tinha regressado à base, e foi vê-lo rua a cima cada vez mais pequenino a cada passada. Mal ele partiu já o bombeiro telefonava para o escritório:
- Vai aí um chinês. Não o atende. Tem o carro aqui parado e não deixa ninguém ser atendido. Se vier com o papel vai querer ser atendido à frente dos outros que já entregaram o papel.

Com o tempo a passar foi-se fazendo também uma fila de bidons de 20 litros para serem enchidos. O bombeiro continuava na sua de não atender ninguém, nem mesmo os bidons carregados à mão do pessoal da candonga. Uma fila de carros na estrada e uma fila de bidons no passeio à espera da decisão dos chineses. No meio de toda aquele confusão apareceu alguém com dois bidons, dirigiu-se directamente ao primeiro lugar da fila e foi atendido de imediato… Quando alguém reclamou, o bombeiro justificou-se:
- Não estou a atender ninguém. Estes bidons são meus. Vão para minha casa para quando acabar o combustível as pessoas ainda poderem comprar lá… Em termos angolanos foi uma boa justificação já que todos aceitaram o facto com naturalidade. ;-))

Entretanto já o chinês descia a rua sem papel e com o empregado do escritório a segui-lo. Chegado cá a baixo, mais do mesmo. Porque queriam carregar combustível... porque tinham que tirar o camião. E aí vai o chinês pequenino de novo rua a cima sem que ninguém percebesse muito bem o que ia fazer. Com o empregado do escritório cá em baixo não ia conseguir nada lá em cima. Com as coisas neste pé, só restava a solução de ir chamar a polícia. O empregado do escritório que agora estava por ali encarregou-se da tarefa. Afinal era quase só atravessar a rua. Pouco tempo passou e já dois polícias estavam no local. Mesmo com a autoridade que a farda lhes confere e só com um chinês no terreno, ainda tiveram que fazer uso de todo o seu poder de persuasão, ameaçando multar o camião chinês, para que o chinês motorista se resignasse a carregar apenas 500 Litros.

Despachados os chineses tudo correu normalmente. De assinalar que em todo este processo que demorou mais de duas horas, apenas se ouviram alguns comentários aludindo ao facto de os chineses, por terem as costas quentes devido ao seu papel essencial que desempenham na reconstrução do país, quererem passar por cima de todos. Nada de gritos, nada de insultos nem ameaças de violência. Tudo incomparavelmente mais civilizado do que em muitos locais ditos civilizados que eu conheço.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Minas

Sinal que avisa que do lado esquerdo da picada se encontra um campo minado.



Nesta imagem pode-se ver como estão "guardados" os materiais explosivos encontrados pelas equipas de desminagem. Ao ar livre e alcance de qualquer um.


Dia 9 de Dezembro, meio da tarde com as pessoas nas suas actividades do dia a dia. De repente um estrondo e toda a vila é abalada. As pessoas precipitaram-se para locais de onde poderiam ver a encosta de onde veio o som da explosão. Não era preciso ser um perito para adivinhar o que tinha acontecido. Mais uma mina tinha rebentado…

Da fila para o combustível onde me encontrava, podia ver na perfeição a encosta que dá para o alto das mangueiras onde se edifica a Cidade Nova. Construída no local ocupado pelo quartel em tempo de guerra, estava rodeada de campos minados que na altura protegiam as instalações militares. Durante os trabalhos de desminagem era frequente ouvir explosões provocadas, mas a zona foi dada como limpa e há muito que nada explodia para aquelas bandas. Depois da explosão ainda se instalou a dúvida se seria mais uma explosão controlada ou se pelo contrário, esta seria acidental. Dúvida depressa desfeita pelos gritos que lá da montanha chegavam à vila e com a visão de pessoas, pequeninas como formigas, a correr desordenadamente na tela verde que era a encosta que dá para o Bairro das Mangueiras. Uns afastavam-se do local enquanto outros convergiam para o ponto da explosão. Os minutos passaram nesta azafama de pessoas em movimentos aleatórios até que apareceu um carro branco, da desminagem ou talvez uma ambulância, e alguém saído do carro, também vestido de branco destacou-se em toda aquela movimentação como a personagem principal de um bailado macabro, ora correndo até ao local do acidente, ora correndo novamente até ao automóvel… O tempo passou e tudo voltou à normalidade de antes. Tinha sido mais um acidente não muito diferente de outros a que já todos tinham assistido.

Ainda na fila do combustível fui sabendo os pormenores comentados com uma frieza de arrepiar. Alguns rapazes tinham ido às mangas, ainda estão verdes mas é quase um ritual pelo qual eu próprio passei vezes sem conta em miúdo, comer mangas verdes com sal. Um deles accionou uma mina e ficou sem as duas pernas. Longe de se compadecerem com o que aconteceu ao rapaz, os comentários eram unânimes em responsabilizá-lo com frases do género – Se não passava fome para que é que tinha de ir apanhar mangas? Os próprios investigadores da polícia que por ali passaram a pé a caminho do hospital, perante o comentário meio provocatório do funcionário das bombas de que a desminagem não tinha feito o trabalho em condições, responderam com a pergunta – E que é que ele tinha que ir lá fazer?

Mais tarde, já em casa e em conversa de amigos apercebi-me de teorias pouco abonatórias que correm em relação às empresas de desminagem. Para puderem prolongar os contratos vão colocando novas minas em locais já desminados, ou descobrem minas noutros onde nunca constou que tivesse havido minas. É o que se diz para justificar rebentamentos inexplicáveis em locais dados como seguros e já frequentados em segurança há vários anos e a descoberta de minas em locais improváveis… Teorias difíceis de aceitar e obviamente não alinho nesta teoria, mas servem para ver que as empresas de desminagem não são vistas com muitos bons olhos. Sabe-se lá porquê!

Os Chineses

Até podia ter outro título, mas como vem depois dos alemães…

Uma semana à espera de conseguir combustível. Primeiro não havia mesmo combustível. Chega já amanhã. O já amanhã prolongou-se por dois dias. Porque o camião de combustível avariou no caminho e tal e tal… Já vem outro a caminho e amanhã já vai haver. Este outro camião não avariou mas também este amanhã demorou dois dias a chegar. Quando finalmente chegou o combustível faltou a energia. Haveria ainda a possibilidade de abastecer nas outras bombas que funcionam com gerador se o gerador não estivesse avariado…

No dia 8 de Dezembro estavam reunidas todas as condições. Havia energia eléctrica e combustível com fartura. Só não havia motorista para o carro e tive que ser eu a ir à vila em busca do indispensável combustível para manter a unidade em funcionamento. Depois de ter saído da vila às 4 da manhã regressei, já almoçado, por volta do meio-dia, hora a que as bombas fechavam do período da manhã. Como a fila era grande deixei o carro e fui até casa. Até as 14:30 deu para ir à net ver os emails, para telefonar, conversar no MSN… essas coisas.

À hora de abertura regressei às bombas para abastecer 200 litros de gasolina e 400 de gasóleo. Correndo tudo normalmente seria talvez coisa para demorar uma hora a hora e meia, mas como por aqui só a anormalidade é normal, demorou muito mais....

Dois carros à minha frente estava um camião dos chineses que queria carregar 2500 litros. Pouco antes de ser atendido foi-lhe perguntado se já tinha pago. Mais de 500 litros só com pré pagamento feito no escritório situado a cerca de 300 metros. Não deve ter entendido o que o funcionário lhe disse nem depois do seu acompanhante angolano lhe ter explicado o mesmo, com o auxílio de gestos, porque se manteve impávido ao volante do camião. Quando chegou a vez dele ser atendido não tinha o papel justificativo do pagamento. O funcionário recusou-se a fornecer o combustível e o chinês recusou-se a retirar o camião estacionado no ponto de abastecimento, impedindo o atendimento de outros clientes.
-Diz-lhe que tem que ir pagar primeiro, diziam para o angolano que acompanhava o Chinês.
-Eu já disse mas ele não quer!
Mostravam ao chinês outras facturas já em poder do bombeiro e diziam-lhe por gestos que tinha que ir buscar uma para poder abastecer. E o chinês pequenino mas teimoso, mantinha-se impávido e sereno repetindo vezes sem conta provavelmente as únicas palavras que sabia de português,
-Tenho kuanzas, tenho kuanzas… numa pronúncia quase incompreensível.
Telefonou a alguém que saberia português porque depois de algumas palavras em chinês passou o telefone ao acompanhante angolano. O angolano falou, desligou e comunicou-nos que o chefe vinha aí para resolver.

E o chinês pôs-se naquela posição parecida com as nossas cócoras mas em que se sentam nas próprias barrigas das pernas, armou-se de toda a sua paciência e pôs-se à espera. Os angolanos que também são bons na arte de saber esperar apenas lhe ia fazendo uma ou outra sugestão na tentativa de conseguir alguma compreensão da parte do chinês.
- Cota, chega só o carro um pouco à frente para os outros abastecerem – pedia um!
- Eu tenho que ir para Luanda e tenho os clientes no táxi à espera – lamentava-se outro!
Depois de muita insistência, não aguentou a pressão, entrou no camião e quando se preparava para arrancar apareceu um carro com o chefe que mesmo antes de se apear ordenou com gestos em chinês para que ficasse onde estava. Foi um balde de água fria… ia começar tudo de novo.

Continua depois das Minas. Ainda não tinha acabado de escrever este post quando aconteceu o episódio da mina que relato a seguir e a que decidi dar prioridade.

domingo, 7 de dezembro de 2008

Os Alemães




Ruínas de uma casa de fazenda de alemães

Da enorme colónia de alemães existente no Libolo na era colonial sobraram quatro. Contra tudo e contra todos aqui permaneceram, mantiveram as propriedades e adquiriram a nacionalidade Angolana. Muito diferentes de portugueses e de angolanos, desde criança habituei-me a ouvir histórias relativas à sua excentricidade ou aos hábitos culturais muito diferentes dos nossos.

Hoje num convívio de amigos voltei a recordar aquelas histórias. Esta é recente e passada com um dos quatro alemães restantes... certo dia o alemão fazia anos e convidou algumas figuras da terra para a festa. A festa era na fazenda mas como os angolanos estão sempre prontos para uma boa festa, à hora marcada.

O cenário era uma casa abandonada há mais de dois meses com ervinhas, aranhas e centopeias no alpendre, um capinzal no quintal e a casa toda fechada. Foram chegando outros convidados e nada de anfitrião. Instalou-se a dúvida se a festa seria mesmo ali, mas como era pouco provável que todos estivessem equivocados esperaram. Saber esperar é fácil em Angola. Faz parte da vida e corre nas veias como um dos temperos fundamentais do sangue angolano. Além disso, por estas paragens há sempre que contar com o habitual imprevisto. Chamamos imprevisto não por duvidarmos que aconteça, mas por não sabermos o que vai acontecer.

Dizem que mais de uma hora depois apareceu o anfitrião. Trazia para a festa algumas latas de sardinha, pão, cerveja e algumas gasosas. Uma travessa enorme deu para pôr o conteúdo das latas de sardinha e ou menos lestos a pegar em talheres tiveram que usar da imaginação para conseguir comer alguma coisa além de pão.





quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

24 horas algures em Angola

A primeira notícia desagradável foi que a UNITEL estava OFF... Sendo a minha rede para telemóvel e internet, além de continuar como na fazenda sem comunicações, ainda juntei a isso a desilusão de expectativas frustradas de poder comunicar com o mundo exterior.

Mas vamos à história completa... Além da rede de telemóvel, também não existia o gasóleo que eu vinha comprar... só chega amanhã de Luanda, disseram-me. Óptimo, já era quase noite e não fazia tenções de regressar à fazenda àquela hora. Sem net ainda consegui uma boleia no PC do meu irmão que usa outra rede, mas mesmo assim deitei-me relativamente cedo. Não nos levantamos impunemente às 5 da manhã.

Ao deitar-me planeei ir comprar gasóleo para a fazenda, e gasolina para o gerador cá de casa logo cedinho e arrancar para a fazenda logo a seguir. Convencido que assim seria, por volta das seis horas já tomava o meu cafesinho e me preparava para fazer o que tinha programado. Um olá através da net aos amigos e familiares espalhados pelo mundo e lá vou eu... gasóleo já havia mas a bomba que o puxa do depósito subterrâneo estava avariada. :-(( O técnico já vai arranjar... -E gasolina? -Gasolina não veio!!! :-((((((

Uma volta pelos candongueiros conhecidos na tentativa de arranjar 20 litros de gasolina foi infrutífera. Gasóleo havia com fartura mas era vendido em doses de 20 litros ao dobro do preço e eu queria 500 litros. Não era viável. Vou esperar que a bomba seja arranjada...

Em casa, ainda sem rede de net e de telm, consegui novamente uma boleia no PC do irmão para uns olás a pessoas distantes que moram em mim. O resto da manhã foi passado a orientar as obras de construção civil que decorrem cá em casa, com a energia eléctrica intermitente a atrapalhar. Não muito porque é quase tudo manual com poucas máquinas a depender de energia eléctrica.

Depois de almoço nova investida em busca do gasóleo. Encostei na bomba e tudo fechado... alguém que ia a passar informou-me que a bomba estava avariada. Já sabia mas agradeci... No regresso desiludido a casa deparei com meia dúzia de adolescentes com bidons de 20 litros, imagem típica de candongueiros de combustível, sentados nas escadas da fortaleza. Perguntei se vendiam gasolina. Que não, que só tinham gasóleo. -E gasolina, onde posso encontrar. -Gasolina é o bombeiro, empregado das bombas de combustível, que vende na casa dele... :-O

Não arranjo gasóleo para a fazenda mas vou conseguir gasolina para o gerador de casa, pensei. Mas a gasolina já tinha acabado até na casa do bombeiro. Mas como nem tudo pode correr mal, reapareceu o sinal da UNITEL.

Vou para casa enviar umas mensagens e fazer uns telefonemas e arranco para a fazenda de seguida. De mãos a abanar, é certo, mas como na vila já não estava a fazer nada... Pude enviar as mensagens e telefonar mas qundo me preparava para partir, um espesso nevoeiro acompanhado de forte trovoada escondeu por completo o Sol e não tardou que catadupas de água se abatessem na terra sedenta, já não chovia há 15 dias, libertando o cheiro característico destas paragens a terra molhada. A escurecer e com a chuva diluviana que se fazia sentir, resolvi não arriscar uma viagem de quase 40 km em picada, com um carro de vinte anos...

Agora, já sem chuva e com a energia de regresso, tenho o despertador ligado para as 4 da manhã, na esperânça de partir às 4:30.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Excelsis.

É nestes dias de isolamento e solidão que tomo consciência da falta que os livros me fazem. Não que eu seja um leitor exemplar nem um devorador de livros, nada disso. Tenho todas as qualidades para ser um mau leitor. Mas gosto de os ter como companhia. Hoje, mais que noutros dias, senti saudades de recomeçar com novo entusiasmo a ler um livro abandonado a meio. De ir até ao escritório, olhar para a estante e escolher um para, muitas vezes, voltar a pôr no sítio depois de o sentir, cheirar e passar os olhos por alguns parágrafos aleatoriamente. Ou mesmo ter a liberdade de apenas olhar para eles, e não pegar em nenhum por opção. Tal como os bons amigos, sei que nunca serão passado. Estarão sempre disponíveis, numa espera sem tempo, quando os procurar.

Mas hoje não pude fazer nada disso. Com apenas treze livros na “estante”, já lidos e relidos, tomei consciência da importância daqueles gestos simples e quase inconscientes. Socorri-me do livro que por mais que seja lido, nunca estará lido, que me fez companhia durante o resto da tarde…

Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e por um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.
Na cadeira, onde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído
.

O livro do Desassossego, Bernardo Soares.

Um Dia Molhado

Depois de uma noite completamente seca, ao primeiro toque da sirene às 5:30 da manhã, ela chegou serena e quase despercebida, mal se ouvindo o som dos primeiros pingos na chapa. Ainda tímidos e em pequena quantidade pareciam o início de mais uma manhã como outra qualquer de cacimbo forte. Daquele cacimbo quase chuva, capaz de molhar com facilidade quem se aventure por ele dentro. Mas ao segundo toque, quinze minutos depois, as gotas engrossaram e intensificaram-se. Às seis já não foi possível marcar as presenças do pessoal que se preparava para mais um dia de trabalho. Um compasso de espera serviu para que abrandasse o suficiente para se poder começar os trabalhos. E foi assim todo o dia. Ora com mais intensidade, ora com a suavidade com que começou o dia, foi uma companheira. Só às 16 horas se decidiu a deixar de brincar, convocou o vento e a trovoada, os companheiros habituais, e brindou-nos com litros e litros de água. Não com a fúria da tempestade de há dias, mas muito mais prolongada e persistente. São 17 horas e ainda não dá sinal de abrandamento. Os mais conhecedores deste clima dizem que quando assim é, é para toda a noite. Vamos ver…

… E foi mesmo… o choro melancólico das nuvens na chapa de cobertura foi o canto que me embalou durante a noite.

Manhã Diferente











Ainda sem persianas na janela e com um cortinado quase transparente, os primeiros raios da manhã inundaram livremente o quarto virado a nascente, substituindo com vantagem o despertador. Ainda antes das sete já estava de partida para fazenda. Desta vez por um trajecto diferente, que faz aumentar a distância de 35 Km em picada, para 110, repartidos entre 80 de asfalto e 30 de picada.

Sozinho no carro, sem a música nem o rádio ligados por opção, entreguei-me à paisagem que ia aparecendo à minha frente. Muita gente na estrada à saída da vila/cidade, na sua grande maioria mulheres acompanhadas de crianças, carregando ferramentas de lavoura nos recipientes vazios que ao cair do dia permitirão trazer o que servirá de jantar a toda família naquele dia. Caminhando literalmente no meio da estrada, afastam-se lentamente com à aproximação do automóvel. Devido a este intenso tráfego pedonal, só ao fim de alguns quilómetros pude libertar a atenção da estrada e aconchegar os olhos a um vasto panorama de floresta de montanha. Vestida de lavado pelo forte cacimbo que se fez sentir durante a noite, e matizada de centenas tonalidades diferentes de verde, ali estava pronta para ser desfrutada, toda a beleza e o esplendor de uma floresta tropical. Só a longa e estreita faixa de asfalto negro destoa da cor dominante. Nesta altura do ano em que o começo das chuvas faz renascer a vegetação, cada planta capricha em ter um verde diferente de todos os outros, chegando algumas delas por si só a apresentar várias tonalidades diferentes de verde, consoante a idade da folhagem ou o ângulo de incidência da luz. Aqui e ali as nuvens baixas escondiam o pico das montanhas mais altas, permitindo-nos imaginá-las tão altas quanto o tamanho da nossa imaginação. Foram 40 Km de distância com 600m de desnível mergulhado em verde. Depois de uma curva apertada numa garganta estreita entre duas montanhas, o sol que inunda toda a planície lá ao fundo quase me encandeia com o seu aparecimento inesperado. Os verdes tornaram-se acastanhados e a floresta de árvores de grande porte deu lugar a uma espécie de Savana com árvores quase arbustos.








Na planície rodeada de altas montanhas sobressaem os pavilhões brancos do aviário gerido pela Vovó Galinha, alcunha carinhoso devido à dedicação que tem pelos seus pintos. Uma visita de “cortesia” à Vovó Galinha, um dia ainda falo aqui da Vovó Galinha… Acho que ela merece um post exclusivo. A “cortesia” deveu-se a uns dinheiros atrasados que o aviário nos deve!! Quarenta e cinco minutos de conversa em forma monólogo, quem me conhece sabe de certeza quem dominou o monólogo, e segui viagem na estrada que liga Luanda ao Huambo, no famoso troço dos Morros do Lussusso, terror dos camionistas já na era colonial. Impressionante o número de carcaças de camiões que ladeiam a estrada. Um autêntico cemitério de camiões e camionistas. Facilmente nos apercebemos pelo aspecto que algumas jazem ali há muitos anos, mas outros são bem recentes. Lá estava, no fim de uma descida e antes de uma curva, espalhados numa ribanceira, os restos dum camião e da ração que vinha da Namíbia para os pintos da Vovó Galinha. O camião tinha-se despistado três dias antes e o seu aspecto, separado em várias partes, não permitia ter grandes esperanças na sobrevivência do motorista. Mas sobreviveu, segundo informação acabada de receber da minha interlocutora recente. Sobreviveu ao acidente mas duvido que tivesse sobrevivido aos serviços de saúde. Estrangeiro, sem padrinhos ou conhecidos foi recusado em três hospitais antes de ser aceite num…

Com a subida em direcção ao Lussusso voltou o verde, mais fresco que o da planície mas sem a exuberância do verde das outras montanhas e sem a presença das árvores de grande porte. Reapareceu sim a humidade e o sol despediu-se. Ainda não eram 9 horas da manhã e a luminosidade permitida pelas nuvens negras que se avistavam lá em cima e ao longe, mergulhou-me num crepúsculo prematuro e prolongado!! Muita chuva lá no alto, chuva que me acompanhou durante todo o trajecto de picada que ainda tive que fazer até casa/fazenda. E conduzir em picada com chuva não permite olhar a paisagem para a poder descrever…




sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Vidas


Incansável, castigada pelo sol forte que hoje se faz sentir e com o bebé de um ano às costas, vai limpando as ervas do quintal que teimam em crescer mais de um centímetro por dia. Ora a rapar com a enxada as ervas sem préstimo algum, ora a escolher e e arrancar à mão, com a deliciosa preguiça que no mundo de hoje só em África ainda é possível, aquelas que provavelmente lhe servirão de jantar, ora descansando encostada ao cabo da enxada enquanto amamenta o bebé e deita um olhar aos outros três filhos sentados à sombra de uma árvore entretendo-se sabe-se lá com quê, espera que mais um dia acabe, com a certeza que os que aí vêm não serão melhores.

O marido que também trabalhava aqui foi ontem despedido e ela ficou com 4 crianças, de idades compreendidas entre um e os seis anos para sustentar. Dito assim, o despedimento pode parecer um acto desumano e que para a senhora terá sido uma desgraça. Mas em África, tal como nas sombras chinesas, em todos os acontecimentos a realidade está sempre escondida por de trás do biombo.

Com dois filhos de uma união anterior, e os outros dois deste novo companheiro, além dos maus tratos sofridos por ela e pelos filhos, ainda era obrigada a gastar quase todo o seu vencimento em bebida para ele. Quando soube que o marido foi despedido, por desacatos provocados por ele no acampamento durante a noite, apressou-se a perguntar se ela poderia continuar a trabalhar por cá. Por cá ficou.
Além de aqui estar mais ou menos protegida, em vez de seis, passa a ter apenas cinco bocas a sustentar.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Tempestade

O dia acordou sereno e silencioso, de um silêncio estranho e profundo. Não o silêncio que resulta da ausência das pessoas que foram, na sua grande maioria, passar o fim-de-semana à vila. Era a própria natureza em silêncio, sem as dezenas de cantos e chamamentos que diariamente àquela hora chegam da floresta envolvente, sem o ladrar incessante dos cães ou o cantar do galo. Tudo adivinha que alguma coisa irá acontecer…

Ao sair à rua, apenas a ténue claridade que conseguia vencer o manto espesso das nuvens dizia que o Sol estaria algures acima do horizonte. E o silêncio assim… visto... era ainda mais pesado que o silêncio apenas ouvido. Fiquei também em silêncio, como se qualquer ruído meu pudesse quebrar algum encanto misterioso pairando no ar. Durante longos minutos tive a sensação que o silêncio já absoluto se ia tornando ainda mais profundo, enquanto as nuvens passavam progressivamente do cinzento ao negro e o dia, que não chegou a aparecer, era novamente noite. Mais duas pessoas se levantaram entretanto, estranharam o ambiente, e a previsão foi de que iria chover muito.

O ruído da descarga de uma faísca a cair muito perto, associado ao trovão quase em simultâneo, fez o céu desabar em luz, água e gelo. O barulho ensurdecedor da chuva e granizo, na chapa de zinco que cobre a casa, não permitia sequer falar com alguém, mesmo gritando, a mais de 30cm de distância. Mais de uma hora infernal de vento forte, muita chuva, granizo, trovoada acompanhada de relâmpagos em sequência rápida e regular, deu uma pequena amostra da força da Natureza.

Passada a fúria, e como que obedecendo algum maestro imaginário, a tempestade abrandou, e lentamente desapareceu por completo. Por momentos o silêncio voltou a dominar. Então, um a um, todos os sons habituais e familiares, temporariamente emudecidos, retomaram o seu lugar.

Angola… África em todo o esplendor dos seus contrastes. Infelizmente, outros contrastes, nada têm de espectacular ou poético.

Ausências

Do alpendre virado a poente vi morrer a tarde por de trás do arvoredo já verde, depois de meses pintado de negro. Tarde triste de sábado a ler e a apagar escritos velhos, cansados de esperar pelo dia que nunca surgiu, em que uma maior inspiração os pudessem melhorar. Por cada frase mais conseguida, tanta inépcia, tanta hesitação, tanta ingenuidade…. Tentativas vãs de vencer a inércia e voltar a colocar aqui alguma coisa. Mas se penso um dia revisitar-me, não posso deixar de expor hoje as minhas incapacidades.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Caótico!

À falta de melhor, caótico é a palavra utilizada. Mas era preciso inventar outra para descrever o trânsito em Luanda nos dias de ponta. Por aqui além das horas de ponta também existem dias de ponta. Ontem foi um deles... Uma hora para andar 500 metros diz da dificuldade para circular. Os carros ficam tão compactos, enrolados uns nos outros que nem as motorizadas conseguem movimentar-se e mesmo o peão para atravessar a rua tem que pedir aos automobilistas para dar um jeitinho de 2 ou 3 centímetros para muito a custo conseguir esgueirar-se por entre os carros.

Acredito que hoje vai ser melhor porque não consigo imaginar um cenário pior, mas como Angola tem sempre uma surpresa guardada para nós...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Quem diria!?

... e quando lhe perguntei do que mais gostava em Angola, o brasileiro respondeu sem hesitar:
- Ó cara, o melhor que Angola tem é a ségurança. Tu pode ir a qualquer hora em qualquer lugar sem medo. Na minha cidade, sair de casa depois do Sol Posto é suicídio...

E ele não é do Rio ou de S. Paulo. Vem de uma cidadezinha obscura, perdida na imensidão do Nordeste.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O Cazumbir

Pelas duas da manhã o silêncio absoluto da noite foi atravessado por um grito chorado, misto de angústia, lamento e desespero. De 30 em 30 segundos, com a precisão de um cronómetro e durante cerca de uma hora, o choro prosseguiu, deslocando lentamente em volta da área onde estamos instalados.

Já tinha ouvido falar desse choro que em algumas noites inunda a floresta e dos mitos que o envolvem, e pelas seis da manhã perguntei “ingenuamente” à plateia de oitenta trabalhadores, que recebiam orientações sobre o que iriam fazer naquele dia, que animal era aquele que passou perto durante a noite e parecia uma pessoa a chorar. Uns garantiam que era o Cazumbir outros afirmavam com toda certeza que parecia o Cazumbir mas não era o Cazumbir. Era um pássaro que imita o Cazumbir… Não foi possível chegar a um consenso mas ninguém pôs em dúvida a existência do Cazumbir!!!

Nota: Cazumbir é o equivalente a fantasma, alma do outro mundo ou alma penada, na civilização ocidental. à falta de castelos e grandes mansões, aqui preferem andar pelas florestas.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Costumes

Estranha sociedade esta em que se janta o gato em convívio pacífico com os ratos...

domingo, 7 de setembro de 2008

The day after...

E já estamos no dia seguinte… Toda a campanha decorreu com grande civismo, sem incidentes violentos (pelo menos que eu tenha conhecimento), muita tolerância entre os partidos que ainda há meia dúzia de anos estavam em guerra e acesso de todos os partidos e coligações aos meios de comunicação do estado através dos tempos de antena atribuídos por lei como é normal em qualquer democracia. A mancha negra em todo este processo foi a TPA, televisão angolana, que esteve sempre descaradamente ao serviço do Governo, actuando sempre sem o mínimo de isenção.

Todos estávamos convencidos que teríamos de votar na assembleia de voto onde estávamos recenseados, e toda a programação de trabalho foi feita nesse sentido. A partir do fim de semana anterior toda a gente se começou a movimentar e as estradas ficaram apinhadas de gente que se deslocavam das mais variadas maneiras carregando como podiam tudo o que era possível levar. Penso que perante este panorama a Comissão Nacional de Eleições foi obrigada a autorizar o voto em qualquer assembleia. Com o ritmo de desenvolvimento que o país está a ter e com a facilidade nas deslocações devido à grande quantidade de estradas já recuperadas, são muitos milhares as pessoas que neste momento não se encontram no local onde se recensearam. Algumas estão mesmo muito, muito longe desses locais. Na fila de voto especial onde estive hora e meia à espera da minha vez, voto especial foi o nome dado aos votos feitos fora da sua assembleia de voto, junto a mim estavam quatro pessoas recenseadas em Luanda, três na Huíla, duas no Namíbe e seis do Cunene…

A votação propriamente dita decorreu com toda a normalidade, pelo menos nas assembleias de votos por onde andei. Abriu tudo à hora marcada e as grandes filas que se formaram logo a partir das seis da manhã, tinham desaparecido por volta das onze. Quando depois de votar cheguei a casa e liguei a televisão, fiquei a saber que em Luanda as coisas não tinham decorrido tão bem. Atrasos e muita desorganização só me vieram dar razão quando eu digo que o pior de Angola é Luanda. Trezentas e vinte assembleias de voto de Luanda terão de abrir ou reabrir hoje, (vamos ver se abrem)… Não é nada ilegal dado que estava previsto dois dias de votação em casos extraordinários mas teria sido muito mais bonito.

domingo, 31 de agosto de 2008

Um dia como qualquer outro

Dia 26-08-2008

Do camião que foi ontem à vila carregar combustível para a unidade industrial recebemos a comunicação que em Calulo o combustível estava esgotado. Situação habitual… Foram dadas orientações para que seguisse até ao Dondo, mais 90 Km, onde normalmente não esgota. Já hoje pela manhã, com a ameaça de esgotamento cada vez mais real alguém se lembrou que poderia também não existir combustível no Dondo. Situação menos frequente mas que também acontece. Para evitar que o motorista resolvesse regressar sem carregar o combustível tornou-se urgente ligar-lhe a saber o ponto da situação, o que tinha de ser feito com ele ainda ou já no Dondo ou arredores, único local onde existe rede de telemóvel no caminho entre Calulo e Dondo. Com o telefone satélite numa das suas birras, recusando-se a fazer a ligação, ficou a restar apenas a hipótese do morro. Alguém descobriu que no morro, sentado numa determinada pedra, e tem mesmo que ser sentado porque de pé já não se apanha rede, se consegue falar através da Movicel. Era “apenas” fazer 10 minutos de picada de carro e mais 15 a pé a subir a montanha.

E resultou… Sentado na pedra, a meia encosta da montanha imponente, consegui falar com o motorista. Estava na fila desde as 5 da manhã e havia a informação de “fonte segura”, estamos no cacimbo e as fontes neste tempo seco nunca são seguras, que chegaria combustível de Luanda por volta das 13 horas. Ficou orientação para ir até Catete, mais 140km em direcção a Luanda, caso a promessa de chegada de combustível ao Dondo não se verificasse.

De regresso a casa encontrei um vendedor já habitual de carne de caça. Quase todos os dias aparece com algum animal morto para vender. Desta vez trazia jibóia ( Serpente que chega a atingir 9 metros) às postas. Novecentos Kuanzas (Cerca de 9€) por trinta centímetros de jibóia. Dizem que é uma carne muito saborosa e houve quem comprasse. O lanche hoje foi jibóia grelhada e favos de mel recheados com larvas de abelhas. Dizem que também é bom mas eu passei nos dois petiscos…

Entretanto o motorista chegou, ainda antes do jantar, com o camião carregadinho de combustível para mais 15 dias de laboração…

sábado, 16 de agosto de 2008

Normalidades

Mais normal que a facilidade com que se morre, só a naturalidade com que se mata por aqui. Oito pessoas de várias idades, conhecidos ou familiares de conhecidos, morreram no espaço de uma semana. No mesmo período de tempo, 23 animais de várias espécies selvagens desfilaram sob os meus olhos, mortos das mais variadas maneiras, para sobrevivência das populações, para comercialização ou apenas por puro divertimento.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A Vingança

Depois da derrota em casa para o Girabola com o primeiro classificado, Petro de Luanda, foi a vez do Recreativo do Libolo ir a Luanda eliminar o mesmo adversário da taça de Angola. Os tomba gigantes no futebol existem em todo o mundo... :-)))))

domingo, 10 de agosto de 2008

Sábado de Lazer

Às 4:30 da madrugada já a fogueira crepitava a três metros da minha tenda. Alguém com insónias ou mais madrugador acendeu-a e começou a fazer o café. Às cinco já alguém, talvez atraído pelo aroma do café acabado de fazer juntou-se ao solitário e enquanto saboreavam o café foram conversando das aventuras da noite.
- Às duas horas os cães ladraram muito.
- Também ouvi. Talvez algum bicho que por aí andava…
- Talvez um bicho de duas pernas. Ouviu-se festa ao longe toda a noite e devem ter passado por aí já bem tocados!
Era mesmo gente que tinha passado nas imediações. Ouvi vozes ao longe momentos antes de os cães começarem a ladrar.
Às cinco e meia já o grupo era de três e a conversa e muito mais gente se ia levantando. A empresa não trabalha ao sábado e tem um carro que sai às seis hora e que leva quem quiser aproveitar a boleia.

Apenas oito resistiram à debandada geral e às nove horas da manhã já estávamos a almoçar carapaus estufados com arroz branco ou batata cozida. Acabados de almoçar ficamos com um dia inteiro para passar e pouco que fazer. No meio do mato, a quilómetros da “civilização” não é a televisão, mesmo com a novidade das Olimpíadas, que seduz os residentes… mas era o que havia para passar o tempo e chegamos a estar durante algum tempo a ver a prova de ciclismo.

Ainda não tinha acabado a prova quando o mecânico sugeriu que fizéssemos uma excursão à mata buscar uma peça necessária para acabar a reparação de um catrapilar. Uma peça minúscula impedia que se terminasse o trabalho e na mata existe uma máquina idêntica, abandonada já há muitos anos. Nova na altura, estava a abrir uma picada quando acabou o combustível. Por incúria, por incompetência ou impossibilidade devido à guerra, nunca mais lhe meteram combustível e a máquina nunca mais andou.
Como a alternativa era ir a Luanda, provavelmente a ter que encomendar a peça por não haver e com sorte dentro de um mês ter a peça na mão, resolvemos ir às “compras” à mata.

Chegados ao local encontramos a máquina protegida por um enorme enxame de abelhas com a colmeia mesmo junto à peça pretendida. Abelhas selvagens africanas, difíceis de lidar devido à sua grande agressividade. Mas não foi isso que nos fez desistir, até porque agora podíamos cumprir duas missões. Retirar a peça e conseguir algum mel. Apareceram logo “entendidos” no controlo de abelhas. Dos seis presentes apenas eu e o mecânico confessamos não perceber nada de abelhas quando os outros puseram mãos à obra. Enquanto faziam os preparativos, abriram alguns cartuchos para retirar a pólvora e cortaram alguns ramos secos e outros verdes. Tudo misturado seria para fazer um fumo especial que poria as abelhas anestesiadas…

Enquanto isso eu ia preparando a retirada. Com a catana limpei o caminho que nos levava até à carrinha ainda afastada uns cem metros do centro das operações. Fechei os vidros do carro, deixei as portas abertas, e quando já ia a regressar para junto dos outros já eles vinham a correr com centenas de abelhas “anestesiadas” atrás deles. Dei meia volta, entrei na carrinha e logo a seguir, de rompante, entraram os outros com algumas abelhas à mistura. A troco de umas ferroadas e dos óculos do mecânico, lá conseguimos a peça. Mas como não houve ninguém disposto a pagar o preço que as abelhas pediam pelo mel, esse ficou lá. Para a tardinha, quando as abelhas já tiverem acalmado e depois do petisco que o homem dos óculos esta a preparar, está marcada a operação de recuperação das lunetas…

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Luandando

Saída de casa às sete da manhã. Depois de uma breve paragem na pastelaria para tomar um pequeno almoço ligeiro e apressado, partimos em direcção ao Rangel. Era preciso ir cedo entregar um radiador para reparar e ainda sobrar tempo suficiente para podermos passar pela Sonangol antes da hora de almoço.

Quatro pessoas dentro do carro, três delas conhecedoras profundas de todas as ruelas do bairro, esburacadas e de terra batida. A viagem de ida foi "rápida", cerca de uma hora. Serviço entregue, promessa de entrega no dia seguinte... tudo corria sobre rodas. Ainda não eram nove horas e já estávamos a regressar.

Pelo primeiro caminho tentado, demoramos uma hora a percorrer menos de 1000 metros. "Eu já sabia que por aqui não ia dar" disse ao condutor um outro conhecedor da zona. "Devíamos ter virado à esquerda ali a trás".

Inversão de marcha, só a inversão de marcha dava um post, e lá fomos nós pelo caminho alternativo. Maravilha. Durante algumas centenas de metros conseguimos sentir quão irregular é o piso daquelas ruas. Batíamos com a cabeça no tejadilho mas ninguém se importava com isso. Finalmente estávamos a andar!!! Até que... ao virar de uma esquina, novo engarrafamento, tão parado como o anterior. Milímetro a milímetro, com tenacidade, fomos avançando! Quase uma hora e mais alguns milímetros vencidos quando o terceiro entendido dispara " Pelo mercado é mais rápido".

Lentamente fomos avançamos, rompendo uma massa de milhares de pessoas, vendedores e compradores de tudo que se possa imaginar, que miraculosamente iam arranjando o espaço que permitia o avanço do automóvel. Ignoramos algumas observações em tom de brincadeira provocatória à cor tendencialmente clara da pele dos ocupantes da viatura e persistimos. Ali não era possível o recurso à inversão de marcha... Por um golpe de sorte ou por conhecimento de quem fez a sugestão da alternativa, nunca o saberemos porque no dia seguinte tudo pode ser completamente diferente, conseguimos avançar a uma velocidade muito satisfatória, suficiente para nos pôr na Sonangol às 11:45.

Amanhã o radiador está arranjado, vai ser preciso ir buscá-lo...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Kinaxixe

Quando por lá passei, segunda-feira de manhã, estavam as máquinas a começar a demolição. Ontem à tarde já grande parte estava demolida, e a este ritmo, até ao fim de semana não passará de um monte de escombros.

Dizem que no lugar do emblemático mercado do Kinaxixe (antigo Maria da Fonte) vai nascer um grande e moderno centro comercial.

É a Luanda do futuro em construção.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Luanda

Por razões relacionadas com o meu passaporte, encravado há mais de um ano nos meandros burocráticos dos serviços (in)competentes, tive que vir a Luanda. Consegui sobreviver e chegar ileso a mais uma viagem de trezentos Km nas estradas angolanas repletas de armadilhas para condutores incautos. Além de pessoas, cabras e porcos e mais pessoas a passear nas estradas, imensas obras não sinalizadas ou com uma sinalização incipiente tornam cada Km da viagem numa aventura. E nisto os chineses ficam com todas as medalhas. Nos troços a eles concessionados é possível deparar com uma máquina pesada estacionada em plena via, um buraco aberto ou um monte de materiais de construção em pleno asfalto, sempre sem a mínima sinalização e em locais completamente às escuras. Imaginem encontrar uma surpresa destas depois de cruzar com um camionista que se recusou, por avaria ou teimosia, a tirar os máximos reforçados.

São seis da manhã e já estou acordado desde as 4:30. Segunda noite em Luanda e segunda noite de um dormir sobressaltado. Para quem ultimamente tem dormido no meio da floresta e apenas acompanhado pelos seus sons característicos, torna-se difícil conseguir dormir num quarto virado para uma das ruas mais movimentadas de Luanda. É o barulho persistente dos geradores, as conversas eufóricas na rua até altas horas da madrugada, veículos de escape livre em corridas citadinas, um alarme que toca de cada vez que um carro passa perto, camiões vazios a caminho do porto a bater os taipais em cada salto… mas praticamente deixaram de se ouvir as sinfonias de buzinadelas que há três nos acordavam ainda antes das cinco da manhã. Desde que estou acordado ainda não consegui ouvir nenhuma buzina.

E chegou a hora de me preparar para mais um dia na nas ruas da cidade. :-((

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Fim de semana "monótono".

Segunda, 21-07-08.
Depois de uma semana completa passada no isolamento da mata é altura de ir até à vila tomar contacto com o mundo. Veio mesmo a calhar o jogo para o Campeonato Nacional que o Recreativo, clube da terra, iria realizar com o Benfica de Luanda. O jogo correu bem e o bom jogo do Recreativo permitiu uma vitória por dois a um sobre o Benfica. Perder com uma equipa de uma vila do interior que é estreante no Girabola não agradou aos da capital e no fim o árbitro foi o “culpado”. Depois de uma pequena escaramuça com o árbitro como epicentro tudo acalmou com a pronta intervenção da polícia.

Ainda no estádio fomos convidados para um aniversário. Ao fim de semana há sempre uma festa em qualquer lado e como todos se conhecem, as festas são um local de reencontro. Muda o local mas as pessoas são sempre as mesmas. Depois da festa um salto até à discoteca e regresso a casa já de madrugada.

O plano era ficar pela vila durante o Domingo e regressar à fazenda ao fim do dia mas como em Angola o imprevisto é a normalidade, às sete da manhã tudo o que estava programado caiu por terra. Alguns trabalhadores da empresa levaram a notícia que um outro empregado tinha morrido. Trabalhou na sexta feira, foi dispensado a meio do dia por se estar a sentir mal e faleceu às quatro da manhã de Domingo. Morre muita gente em Angola sem motivo aparente. Rapaz novo, com mulher, uma filha de três anos e a mulher grávida de sete meses.

Voltamos à fazenda, 35 km em picada e uma hora de caminho, com os carpinteiros também funcionários da empresa, que apesar de ser Domingo se prontificaram para fazer o caixão. Por volta das quatro da tarde tinham o caixão pronto. Nova ida até à vila para levar o caixão à família. Apesar de o trabalhador em causa apenas ter trabalhado dez dias durante, a empresa teve em consideração o facto de a viúva ter ficado grávida e com uma criança quase de colo e decidiu pagar o mês na totalidade. Ao tentar entregar o dinheiro à viúva foi-nos dito que quem tinha direito ao dinheiro era a mãe do falecido e não a viúva… não sei como foi gasto aquele dinheiro que teria sido uma pequena ajuda para as crianças, mas quem sabe o que é um óbito tradicional em Angola pode imaginar.

Já era noite quando voltamos à fazenda. Hoje é segunda feira, tudo voltou ao ritmo normal e as borboletas continuaram a passar aos milhares, indiferentes a tudo...

domingo, 20 de julho de 2008

Pôr do Sol


Pôr do Sol visto do meu quarto... Não me peçam para mostrar o quarto!

sábado, 19 de julho de 2008

Borboletas

Borboletas


Dia 15-07-08
Pode cair sobre mim a maior tempestade tropical, com chuva torrencial acompanhada de trovoada forte que até me serve de embalo para um sono retemperador, mas o vento nocturno enche-me de uma inquietude que exige a minha vigília. Cansado de esperar pelo novo dia, levantei-me logo que ele timidamente se anunciou e deparei-me com um espectáculo inédito para mim.

Borboletas, borboletas, borboletas… horas e horas seguidas de nuvens brancas de borboletas com uma rota definida em busca de um objectivo pré determinado. Todas iguais, e curiosamente a voar contra o vento quase ciclónico que soprou toda a noite e continuou durante toda a manhã. Já assisti à deslocação em massa de gafanhotos e a saída aos milhões de formigas aladas mas as borboletas são um espectáculo muito diferente. Tudo se processa numa calma silenciosa, sem o frenesim característico dos gafanhotos ou da desestabilização provocada em todos os animais pelas formigas aladas. Subitamente, por volta do meio-dia e como que por encanto, deixou de se ver borboletas…

Dia 16-07-08

As borboletas reapareceram e passaram, passaram, passaram…

Dia 17-07-08

E as borboletas continuam...
Amanhecer visto do meu quarto...


A Viagem

Viagem

13-07-2008

A partida prevista para as 20h50m do dia 11 de Julho só aconteceu muito perto das 22H. Isto obrigou a uma correria pelos corredores do Aeroporto de Lisboa para não perder a ligação com o voo para Luanda. Ultrapassado este pequeno percalço inicial, a viagem decorreu sem outros incidentes. Durante sete horas, suspenso entre o céu e a terra e rodeado por mais 300 pessoas, apenas tive durante alguns minutos a companhia das personagens de um livro do Mia Couto. Mais se acentuou o sentimento de solidão quando a partir de uma certa altura verifiquei que já todos dormiam à minha volta, e as sete horas transformaram-se numa eternidade.

Às cinco e meia da madrugada, sem ninguém a ocupar o lugar a meu lado, e ainda com tudo a dormir, abri a vigia e reparei que uma ténue luminosidade aparecia no horizonte. Tive então direito a um espectáculo exclusivo. O aumento progressivo da luminosidade foi apagando as estrelas que ainda se mostravam e o negro do céu foi-se transformando em azul. O sol que se anunciava pintou de cores quentes e vivas as nuvens próximas do horizonte e mostrou aos poucos o manto contínuo de nuvens brancas por baixo do avião. Por fim mostrou-se em todo o seu esplendor durante alguns minutos, e quando pouco depois o avião começou a descida para o Aeroporto de Luanda, o Sol fez-nos companhia na descida até se esconder novamente no horizonte, vindo a reaparecer novamente depois de já estarmos em terra. Não pude assistir ao novo nascer do Sol por já estar dentro do edifício do aeroporto o que me desgostou. Poderia ter assistido a dois nascer e um pôr-do-sol em menos uma hora.

Depois foram as formalidades habituais, desta vez correram bem, e ir directamente para o trânsito já caótico de Luanda às 8h da manhã de um sábado, 12 de Julho de 2008. Uma ida à “lota” comprar peixe para levar para a fazenda, comer qualquer coisa, nada de leites e bolos, bife completo por volta das 9h30m, mais compras de mantimentos para alimentar mais de cem pessoas durante 15 dias, e pé na estrada para mais trezentos e oitenta quilómetros de estrada asfaltada até Calulo. Mais uma paragem no Zenza para almoçar. Na verdade foi apenas para comprar cerveja fresca para acompanhar as sandes que já levávamos de Luanda. É quase impossível encontrar algum sítio na estrada que venda comida, apenas bebida, bebida, bebida…

Chegada a Calulo pelas 17h30. Mais uma paragem para descarregar algumas coisas e jantar antes de partir para a fazenda. Não se conseguiu avisar a que horas chegávamos e não quisemos arriscar chegar e não ter jantar. Depois de jantar, mais 45Km de picada até à fazenda onde fomos encontrar quem lá estava ainda a comer e com jantar pronto para nós. Já não voltamos a comer… Um banho de chuveiro com água quente, banalidade na Europa mas um luxo aqui onde na própria vila é difícil de conseguir, e nem o barulho do gerador a trabalhar a 20 metros da casa impediu que adormecesse profundamente.

O Local

Depois de 9 meses de ausência, as más condições de alojamento deixadas na altura, tornaram-se péssimas. A empresa mudou-se de “armas e bagagens” para uma nova área de intervenção e tudo ainda está por arrumar. Tudo está improviso de tal modo que até para mim, conhecedor desta realidade foi um choque. Para alguém habituado à vida na Europa, é inconcebível conseguir viver assim, mas por cá e aqui no interior, onde a Guerra andou em força e as pessoas lutaram durante anos e anos apenas pela sobrevivência do dia a dia, estamos no paraíso…

(Continua…)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Hora Zero


Seria bem mais feliz se eu fosse penas o meu corpo, mas sou mais qualquer coisa além de corpo. Mais uma qualquer coisa que incomoda, que carrega nas tintas que pintam os sentimentos e as emoções. Mais difícil que conseguir reduzir tudo o que quero levar a 20kg, é arrumar todo o turbilhão de sentimentos contraditórios que fervilham dentro de mim. Com a contagem decrescente a chegar ao fim e tudo pronto apenas à espera da hora zero, só eu mesmo é que pareço não estar preparado...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Procuras


O mar do tempo
De infinitas esperas
E de esperanças perdidas
Desagua em mim!
Em sentimentos sofridos,
Pelas estreitas veredas de mim,
Procuro onde me perdi,
Na extensa aridez
Da estrada da vida!!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Contagem decrescente...


Dia marcado, tudo confirmado... a longa espera chega ao fim. Cansado de esperar, a nova realidade aparece-me como algo irreal em forma de sentimento entre a satisfação e a angústia. Absorvido com os preparativos finais, sei que não vou dar pelos oito dias que faltam para um novo voo.

domingo, 1 de junho de 2008

Crianças


Dia um de Junho, dia da criança... segundo estatísticas publicadas recentemente, 71% das pessoas que tomam as decisões que decidem o futuro do planeta não têm filhos. Talvez isto explique muito do estado em que a terra se encontra e para onde caminha.

sábado, 10 de maio de 2008

Batalhas

Enquanto decorre a batalha da solidariedade e indignação mundial contra uma ditadura sanguinária, as vitimas do ciclone na Birmânia vão morrendo de fome e de doenças. E mais uma vez, infelizmente, a indignação mundial desarmada nada poderá fazer contra um regime ditatorial.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Longe Daqui





Nascemos no alto mar
No meio da tempestade
Ali a meio caminho
Entre o Cabo das Tormentas
E o Céu do Paraíso.
A alma mareante
O fogo de S. Telmo
O luto, o desespero
Pela alegria breve
De navegar um instante
Um século, uma história
Enquanto fabricamos
No ventre do porão
Paixão!

Depois, cuidadamente
Enchem-te a cabeça
De histórias de aventuras
De Batalhas de Ourique
Reis Mouros esmagados
De heroismos vários
De feitos de bravura
De mundos viajados
Poemas inflamados
A Grei, Preste João
O Mapa côr de Rosa
A Virgem Aparecida
El Rei D. Sebastião
Um império mundial,
Caramba!!!

Às vezes perguntamos
Parando por momentos
Num vendaval de santos
Conquistas, embaixadas
Com coches de ouro ao Papa
Marfim e arrecadas
E a gente sempre a olhar,
A olhar!

Sentíamos mar nas veias
E febres de partir
Encantos de Medéia
Tentações de fugir
Mas ficavamos amarrados
Ao Convento de Mafra
Chorando o desencanto
De termos ficar!
Que o forte, forte vento
Não nos deixava enfim
Nem estradas de sair
Nem estradas de chegar
Nem traços de partir
Nem posses de alcançar
Pra dentro do Futuro.
Adiante!

E tinhas por razão que o certo, certo mesmo
Podia ser aquilo, podia ser o vento
Podia ser a história, que há tantas tantas formas
De a gente dar memória
E às vezes o silêncio até dizem que é dourado
Mas um homem fica parvo
Com a força do Futuro contida no passado
E devotadamente, Aljubarrotamente
Crê!

E conformado crendo
Que as nossas aventuras
Só foram pela canela, pimenta e especiarias
E só fomos heróis em terras e lonjuras
Por querermos espalhar a Fé e as teorias
Que nunca violámos
Que nunca escravizamos
Nem traço de chicote nem outras judiarias
Nem alma de ladrão, morrida nas galés
E ao mar!

De 30 em 30 anos
Às vezes mais 50,
Até acreditamos
Romamos à tormenta
Batemo-nos e vamos
Prá liça do Futuro
Com a nossa força grande
Antiga!

Mas contados pelos dedos
Assuntos bem saldados
Ficaram intenções
Castelos abandonados
Crianças sem saber
O sol pr'os reformados
Remessas de emigrantes
E o mar!

Que eles voltam, voltam sempre
Cinzentos, sorridentes
Cheirosos influentes
De todos os quadrantes
E por todas as frentes
Com cupidez te amansam
Com polimento avançam
E zás...

Nas grutas de uma vida
Um homem muda tanto
E de criança a velho
E de truão a santo
O salto é tão pequeno
O trilho é tão estreito
Tantos pavores na fronte
Tantos calores no peito
Tanto ouro na corrida
E a força da razão
E a força da subida
Mãos quentes de bater
Mãos magras de sangrar
E quanto mais procuras
Ou mais te procurarem
Caíste!...

Tentas saber como é
E tentas aprender
Aprendes a sorrir, aprendes a esconder
Aprendes a vender, aprendes a comprar
Aprendes até, a amar assim assim
Se tanto, desconfiadamente
A engolir o pranto
A não te olhares de frente
Enquanto sonhas longe
Ai, tão longe daqui e tão
Diferente!

E embarcas pelo deserto
Resolves-te a partir
Juntando três amigos
Sem jeito ao despedir
Duas frases erradas
- Não era nada disto
Que eu vos queria dizer.
E vais!

E é natural que sintas
Vontade de o fazer
Vontade de viver
Aquilo que não te dão
Para isso tenta a China
O Laos, o Alaska, a Índia
A Tailândia, o Japão
O Barhein!

E rumas na paisagem dominado pela cor
Três trapos pra viagem
Um cesto, um cobertor
Impostos declarados
A alma decretada
O passaporte conforme
E um pão!

E gritas ao silêncio
E vai saber-te bem
Gritar sob os combóios nas pontes quando passam
Ficaram tantos tipos lá em casa
Olhando pela janela a sua própria vida
Mas tu não!...

Lá longe no deserto
Relembras o teu sítio
Tão longe na distância
No peito ali tão perto
E vem-te à boca o travo
Dessa questão eterna
Do ir ou do voltar.
Do ir ou do voltar...
E tu... E tu...

Pedro Barroso

Sós


Sós,
Irremediavelmente sós,
Como um astro perdido que arrefece.
Todos passam por nós
E ninguém nos conhece.
Os que passam e os que ficam.
Todos se desconhecem.
Os astros nada explicam:
Arrefecem!!
António Gedeão

quinta-feira, 8 de maio de 2008

Por veredas de mim, numa procura sem fim...

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Sonhos

Gosto de dançar.
A Valsa,
O Tango,
A Dança das Ondas...
E depois adormecer,
Numa cama de água dourada,
Sonhar cheiros de Maresia,
De infinitos instantes.

terça-feira, 6 de maio de 2008

Mar

mar
de azul infinito
espraiado de branco
em bailado sedutor
de beleza sem fim
embriaguez no olhar
analgésico de penas
bálsamo da alma

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Presente

Desesperadamente o presente...
porque há só um, é este e é agora!

Tempos

Manhã bonita!! A Primavera teima em querer mostrar-se contra a teimosia das chuvas e nevoeiros tardios. Folhas e flores têm pressa de se mostrar, receando que o seu tempo passe sem que o façam em plenitude e toda a natureza em redor se vai renovando. E há um sentimento idêntico dentro de mim. Com medo de não saber agarrar o meu tempo que passa. Quero continuar a ter a alegria de cantar a vida mas a emoção vem à tona e tende a contrariar essa vontade. É difícil fazer de cada dia uma Primavera quando dentro de nós já é Outono.

sábado, 5 de abril de 2008

Um pôr do Sol!

Um pôr do Sol bonito
Preenche-me a moldura dos olhos,
Tentando fazer esquecer
Mais um dia inútil... Vazio.
A brisa que sopra quente,
Como um embalo de mãe,
Ondula a vegetação
Adormecendo a paisagem,
Que já espera um novo dia.
E o tempo parece mais lento
E ainda mais inútil.

Negar o tempo,
É o melhor modo de o vencer.
Mas com a vida tão curta,
O tempo fica tão longo
Quando o queremos negar.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

O Sonho

"Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros. Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação. Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição. De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com "fundos insuficientes". Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça. Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia. Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial. Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus. Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre.Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só. E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, "Quando vocês estarão satisfeitos?" Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza. Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero. Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta. Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado. "Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto. Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos, De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!" E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro. E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire. Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York. Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania. Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado. Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia. Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee. Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi. Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro:"Livre afinal, livre afinal. Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal."

Fonte: colaboração de Hernani Francisco da Silva, da Missão Quilombos

Eu tenho um sonho!

04-Abr-68/04-Abr-08. Quarenta anos de sonho povoado de grandes pesadelos.

Morreu o homem mas o seu sonho continua vivo na consciência de milhões em todo o mundo. Hoje também quero sonhar. Quero sonhar que um dia já não precisarei de sonhar.

quarta-feira, 2 de abril de 2008

Mentiras?

Dia 1º de Abril. Diz a notícia que Robert Mugabe estaria disposto a aceitar o exílio noutro país. Acreditamos sempre no que queremos acreditar e eu queria acreditar que, apesar do dia em que a notícia foi dada, era verdade.

Hoje diz-se que estas notícias não estão confirmadas... provavelmente terá sido mesmo mais uma mentira do 1 de Abril e o Zimbabué, a África e o Mundo não ficarão mais limpos.

terça-feira, 1 de abril de 2008

O Rei vai nu!

No conto de Hans Christian Andersen, quando o menino grita " O REI VAI NU!", todos acreditaram nele e caíram no ridículo os que costruiram a mentira ou com ela colaboraram.

O que aconteceu depois não nos é contado por Hans Christian Andersen, mas eu posso imaginar os ministros a serem demitidos, os falsos alfaiates presos e decapitados e o rei a nunca mais sair do Castelo, onde morreu em total solidão e o rapazinho, depois de ser tratado como herói pelo povo, casou com a princesa e fez todo o povo do reino feliz para sempre.

Mas isso foi na história...

Na vida real, a menina real ainda não tinha chegado a essa parte da história acabadinha de receber em SMS, quando a professora lhe tirou o telemóvel. Como queria saber a frase mágica que lhe abriria as portas do coração do príncepe, desesperada gritou: "DÁ-ME O TELEMÓVEL, JÁ". E devido a este lapso, causado pelo excesso de zelo da professora, a nudez do nosso ensino permaneceu escondida.

A menina foi fechada pelos ministros, e sem o telemóvel, nas enormes masmorras do Castelo, onde por mais que gritasse ninguém a ouviria. Hoje ninguém sabe dela. Dos alfaiates charlatões ninguém ouviu falar, mas consta que continuam aí usando múltiplos disfarces, e o Rei, vaidoso das suas roupas exclusivas, continua a passear-se nu diante dos olhos de todos, alegre e feliz até ao fim dos seus dias.

segunda-feira, 31 de março de 2008

Mais reflexos que reflexões!

Por curiosidade, por ócio, por sugestão de alguém, por qualquer outro motivo, ou por motivo nenhum, um dia resolvi ter um blog, e o blog apareceu. "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" escreveu um dia um génio português, quando teve a premonição do aparecimento deste blog.

Coisa simples, muito mais simples do que pensava, fazer nascer um blog. Basta seguir as ordens, ensinam-nos e obrigam-nos a saber fazê-lo desde muito pequeninos, ir carregando em botões e a coisa vai-se construindo por ela. Milagres da tecnologia... Milagre também é o que é necessário fazer para manter o blog vivo. É coisa difícil, muito mais difícil do que pensava.

Sem ser adepto da febre bloguista que se apoderou dos viajantes do ciber-espaço, e consciente de não ser possuidor de nenhuma das características necessárias para manter um projecto desta natureza com qualidade mínima, vi-me com a criança nos braços juntamente com todo entusiasmado de que se é possuído quando ao ver algo nosso a nascer. Tal como quando se tem um filho, o entusiasmo dos primeiros tempos vai dando lugar à dura realidade. Constatei com o filho e com o blog. Ou se consegue manter o entusiasmo, pondo amor em todas as tarefas rotineiras do dia a dia necessárias para lhe levar algum conforto e felicidade, ou o que tanto desejamos passa a ser mais um fardo na nossa vida. E infelizmente há tantos exemplos desses... mas não era de coisas sérias que eu queria falar.

Continuando...

Depois de algum tempo de paragem e alguma reflexão, continuo sem encontrar uma finalidade, uma justificação, para a existência do blog, mas, saltando despreocupadamente de incoerência em incoerência, porque só com elas a vida faz algum sentido, resolvi continuar. É que talvez no futuro encontre uma finalidade, uma justificação para tudo. Mesmo para aquilo que não faz sentido. Talvez até para a minha existência. Quem sabe...

sexta-feira, 7 de março de 2008

Verdades

Verdades...
Verdades e mais verdades!
Verdades para todos os gostos,
E todas feitas por medida.

Muitas logo inscritas,
Na pureza da infância.
Da escola e da religião,
Da pátria e da família...

Outras ainda gravadas,
Em jovem vitalidade.
Do grupo e do partido,
Do clube ou da etnia...

Mas muitas outras são nossas,
Vindas bem lá de dentro.
De vaidades e preconceitos,
De convicções e intolerâncias...

Se chegamos despidos de tudo,
E partimos sem nada vestido,
Por quê consumirmos a vida
Vestindo verdades inúteis?

quinta-feira, 6 de março de 2008

Palavras

Palavras pensadas

mas sempre travadas.

Palavras que rolam

Na mente inquieta.

Palavras tão lisas

De tanto rolar.

Palavras cansadas

De tanto esperar...

Palavras não ditas,

Mas que tudo diriam!!

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Bolachas de Lodo

Hoje, quando li no Público que a ajuda alimentar às pessoas necessitadas iria ser racionada, decidi recuperar algo que ouvi há dias.


Já vimos a miséria extrema na televisão. Abutres pairando sobre crianças que vão morrer não tarda nos descampados de África, à míngua de tudo. Camponeses comendo ervas dos caminhos. Eu vi em Bombaim seres humanos com menos dignidade que as minhas sandálias, a poucos metros da mais ofuscante opulência. Faz-se um nó no estômago mas um Comboio espera-nos ou um Pôr do Sol, e a escala desmedida da desumanidade da paisagem tem um estranho poder anestesiante.



Por isso dei comigo espantado com o que nestas imagens, dez imagens de uma foto galeria anteontem publicada no El Universal, me provocava uma insensata tristeza, uma estúpida vontade de chorar. As imagens e as notícias que elas dão correram ontem os jornais da América Latina e já foram confirmadas pela FAO. Elas confrontam-nos com a pobreza extrema que varre o Haiti. Há milhares de famílias que não podem comprar sequer uma libra de arroz e isso explica o fenómeno das bolachas de lodo. Se puderem procurem na net. Procurem as imagens, as centenas de latinhas espalhadas no chão dos mercados de City Soleil, as quais vão secando ao sol as bolachas de lodo, moldadas por mãos que parecem de oleiro. Poderíamos legendá-las: Olaria da fome. Uma das legendas do El Universal fala de alívio para a fome. Outra explica que o lodo é uma fonte de cálcio e anti ácidos. Há uma mulher que fala de dores de estômago por causa das bolachas de lodo comidas ao longo do dia. Ainda não inventaram bolachas de lama light ou lama integral. O que se passa é ainda a arte desesperada que povoa os mercados. A receita é simples: Terra, sal e azeite vegetal.



Vejam como ficou a língua deste miúdo. O pequeno Cajane de 11 anos, que acabou de comer uma bolacha de lama. Esta língua que desafia os dicionários da bondade social. Eles anotam "tirar o pé do lodo" no sentido de puxar a vida para cima, sair da miséria. Cajane mostra entretanto a língua como quem mostra as mãos vazias. Os dicionários ainda não acolheram a expressão "Provar o Lodo". Os dicionários, tal como as políticas sociais, não têm a elasticidade do Livro das Ignorâncias de Manuel de Barros, mas o menino do Haiti está nos versos do poeta do Pantanal: "Fui adoptado em lodo", ainda que ao contrário de Bernardo não possa dizer "estou deitado em composturas de águas". Charllene, 16 anos, um filho de um mês, há dias em que não come senão bolachas de lama. Diz que tem dores de estômago e que quando amamenta, lhe parece que o bebé fica também com cólicas.



Eis o Haiti. Se puderem procurem as imagens na net. Algumas são... estranhamente belas!!

"Sinais" TSF - 31/01/08