sexta-feira, 27 de março de 2009

Ditados

Não há bonança que não dê em tempestade... A Sul, nesta minha terra em part time tão diferente da outra, até os ditados tradicionais são invertidos. Enquanto a Norte se ansiava pelo fim das tempestades, cá esperava-se com impaciência pelo seu aparecimento. Num ano excepcionalmente seco como este, qualquer gota de água caída do céu é uma bênção.

Enquanto o sol vai aparecendo com mais convicção no hemisfério Norte, e a chuva se torna mais rara e menos desagradável, trazendo alegria aos rostos macambúzios próprios de quem atravessou um longo e duro Inverno, aqui o mesmo efeito é conseguido com o processo inverso. Os rostos crispados, quase de desespero transformam-se e aparecem sorridentes a irradiar felicidade com o aparecimento das primeiras tempestades. Para além de trazer a humidade tão necessária à agricultura a morrer lentamente em terra ressequida, também contribui para refrescar o ar excessivamente quente e seco dos dias em que não chove. Os mais crentes atribuíram a chegada da chuva a uma bênção trazida pelo Papa na sua visita por uns dias a Angola...

Lágrimas

Mãe e filho adolescente vigiados por guardas fortemente armados, apenas se podem tocar através dos pequenos buracos de uma rede colocada no deserto. É o aniversário do filho. Nenhum deles é prisioneiro, mas devido a leis feitas por homens instalados em gabinetes com ar condicionado, ambos estão impedidos de saltar a rede para o outro lado… A distância, bálsamo para o sofrimento nascido da ausência, não existe. A impossibilidade do trânsito de almas proporcionado pelo abraço desejado aumenta o sofrimento, e o amargo das lágrimas mútuas de dor substitui o doce das de felicidade que nasceriam do abraço adiado. Por caminhos mais tortuosos, também as lágrimas de dor são capazes de cumprir na perfeição o papel de fundir duas almas…

Isto não acontece na fronteira Israelo-Palestiniana ou noutra qualquer fronteira obscura e violenta das muitas que existem neste mundo em convulsão! Tem lugar todos os dias na fronteira entre o México e os EUA!

domingo, 22 de março de 2009

Mais alguém morreu esta noite aqui por perto... os choros acompanhados por gritos rua a cima, rua a baixo feito por carpideiras voluntárias que acordam a madrugada, anunciam o que por aqui é banal, como sendo algo de extraordinário. Estivesse eu disposto a isso, e todos os fins de semana que venho passar à vila teria um óbito de alguém conhecido, ou familiares de conhecidos, para participar. Sem ter conseguido voltar a adormecer, pensava fazer um post sobre isto, quando a luz, numa inundação de claridade, entrou de jorro no meu quarto.



Nos raios de Sol que conseguem entrar no quarto por entre as grades que protegem a janela, pude ver os flocos de poeira que esvoaçavam alegres, indiferentes aos choros e gritos que, mais ténues e mais intercalados, ainda continuavam no exterior. Veio-me à memória uma frase batida, não a do Sérgio, "és pó e em pó te hás-de tornar", e sem esforço consegui imaginar vidas carregadas de preocupações várias e de sufrimentos infimitos, transformadas em partículas de pó felizes a banharem-se de luz...

quarta-feira, 18 de março de 2009

A Chuva

Finalmente, alguma da chuva que tem caído como uma calamidade noutras partes de Angola, chegou a esta região sedenta de água como uma benção. Duas grandes chuvadas transformaram miraculosamente linhas de água já completamente secas em ribeiros alegres, com um caudal bastante consistente mesmo depois de passada a água da enxurrada. Tal como as suas gentes, também a natureza em África é feita de extremos…

sexta-feira, 13 de março de 2009

A Viagem

Dezanove horas depois do início da viagem o avião parece sobrevoar o paraíso. O pôr do Sol incendeia as águas do Oceano, polvilhado de ilhas e navios preguiçosamente à espera de vez de entrar no porto, com as suas cores quentes. Mas quando nos aproximamos do solo e vamos pouco a pouco conseguindo vislumbrar os milhares de habitações precárias que cobrem toda a área por baixo de nós, mergulhadas num caos urbanístico difícil de descrever, começamos a desconfiar que aquela visão paradisíaca não passe de uma ilusão…

A aterragem perfeita do 747 das Linhas Aéreas da África do Sul que nos transportou leva-nos à confirmação das suspeitas. Ao sair do avião um dos passageiros não suportou o choque proporcionado pelos mais de trinta graus de temperatura, associados a um teor de humidade doar a rondar os 90%. Desfaleceu e teve que receber assistência médica. Devido a deficiências na rede de telemóveis, apenas três quartos de hora depois da aterragem foi possível fazer o primeiro contacto telefónico. Numa sala com a temperatura vários graus a cima da temperatura ambiente do exterior e já com toda a gente a destilar, consegui falar por telefone com a pessoa que me vinha buscar. Estava ainda a duzentos quilómetros e à procura de gasóleo para prosseguir a viagem até Luanda. Esgotado nas bombas, só a candonga poderia resolver o problema. Entre encontrar o gasóleo, fazer os duzentos kilómetros e vencer o engarrafamento crónico em que Luanda está transformada quase 24 horas por dia, foram mais três horas de espera com duas opções… ou sentado na sala do desembarque das bagagens mergulhado em suor e 40º de temperatura, ou cá fora de pé onde a temperatura se tornou bem mais suportável com o cair da noite. Para quem tinha acabado de fazer uma viagem de 7 horas sentado, a decisão não foi difícil tomar… mas foi difícil de suportar.

Às 22 horas chegou a minha boleia. Depois de uma paragem num restaurante para eu comer um bitoque com um bife tipo borracha, e o meu companheiro devolver uma omeleta intragável por excesso de sal, metemo-nos à estrada pelas 23:30 horas. Mais três horas a enfrentar corajosamente os máximos nunca baixados ou os faróis completamente desalinhados dos automóveis que se cruzaram connosco, e estávamos em casa. Cansados mas inteiros…

Tentei enviar um SMS mas a rede estava off… no dia seguinte ao acordar a rede continuava off, agora acompanhada pela energia eléctrica que também falhou. Quarta feira não houve alterações e quinta até à hora a que saí para o interior tudo continuava na mesma. Hoje é sexta, muito em breve vou para a vila e apesar de tudo conto conseguir publicar este post… o optimismo é uma grande mais valia dos angolanos. J

A Viagem

Dezanove horas depois do início da viagem o avião parece sobrevoar o paraíso. O pôr do Sol incendeia as águas do Oceano, polvilhado de ilhas e navios preguiçosamente à espera de vez de entrar no porto, com as suas cores quentes. Mas quando nos aproximamos do solo e vamos pouco a pouco conseguindo vislumbrar os milhares de habitações precárias que cobrem toda a área por baixo de nós, mergulhadas num caos urbanístico difícil de descrever, começamos a desconfiar que aquela visão paradisíaca não passe de uma ilusão…

A aterragem perfeita do 747 das Linhas Aéreas da África do Sul que nos transportou leva-nos à confirmação das suspeitas. Ao sair do avião um dos passageiros não suportou o choque proporcionado pelos mais de trinta graus de temperatura, associados a um teor de humidade doar a rondar os 90%. Desfaleceu e teve que receber assistência médica. Devido a deficiências na rede de telemóveis, apenas três quartos de hora depois da aterragem foi possível fazer o primeiro contacto telefónico. Numa sala com a temperatura vários graus a cima da temperatura ambiente do exterior e já com toda a gente a destilar, consegui falar por telefone com a pessoa que me vinha buscar. Estava ainda a duzentos quilómetros e à procura de gasóleo para prosseguir a viagem até Luanda. Esgotado nas bombas, só a candonga poderia resolver o problema. Entre encontrar o gasóleo, fazer os duzentos kilómetros e vencer o engarrafamento crónico em que Luanda está transformada quase 24 horas por dia, foram mais três horas de espera com duas opções… ou sentado na sala do desembarque das bagagens mergulhado em suor e 40º de temperatura, ou cá fora de pé onde a temperatura se tornou bem mais suportável com o cair da noite. Para quem tinha acabado de fazer uma viagem de 7 horas sentado, a decisão não foi difícil tomar… mas foi difícil de suportar.

Às 22 horas chegou a minha boleia. Depois de uma paragem num restaurante para eu comer um bitoque com um bife tipo borracha, e o meu companheiro devolver uma omeleta intragável por excesso de sal, metemo-nos à estrada pelas 23:30 horas. Mais três horas a enfrentar corajosamente os máximos nunca baixados ou os faróis completamente desalinhados dos automóveis que se cruzaram connosco, e estávamos em casa. Cansados mas inteiros…

Tentei enviar um SMS mas a rede estava off… no dia seguinte ao acordar a rede continuava off, agora acompanhada pela energia eléctrica que também falhou. Quarta feira não houve alterações e quinta até à hora a que saí para o interior tudo continuava na mesma. Hoje é sexta, muito em breve vou para a vila e apesar de tudo conto conseguir publicar este post… o optimismo é uma grande mais valia dos angolanos. J