domingo, 25 de janeiro de 2009

Amostra Sem Valor


Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.

António Gedeão



E assim, graças à falta de inspiração e da motivação em baixa, consigo elevar o nível do Blog

domingo, 18 de janeiro de 2009

O Amor

Amo o amor que se reparte
em beijos, leito e pão.
Amor que pode ser eterno
mas pode ser fugaz.
Amor que se quer liberar
para seguir amando.
Amor divinizado que vem vindo
Amor divinizado que se vai.

Pablo Neruda

sábado, 17 de janeiro de 2009

Um Serão à Fogueira

Chegaram de longe. Quase 200Km mais para o interior, de onde além de alguns campos de milho e de feijão para consumo próprio e algumas bananeiras para o fabrico de capuca pouco mais há. O tio e mais dois já com alguns anos e os dois sobrinhos com cara e corpo de criança queriam emprego. Alguém que já cá trabalhou indicou-lhes onde poderiam encontrar emprego com comida e algum dinheiro ao fim do mês.

Aceitar o homem e dispensar os miúdos, via-se que tinham menos dos dezasseis anos permitidos por lei para trabalhar mas eles afirmavam que os tinham, estava fora de questão. Vieram em pacote e teriam de ser aceites ou rejeitados em pacote. Sabíamos que caso fossem rejeitados o destino talvez fosse regressar a casa , e agora sem os meios que entretanto tinham sido gastos na viagem. Foram integrados na força de trabalho. O adulto no trabalho normal e as crianças no serviço de apoio à nossa cozinheira São sobrecarregada de trabalho.

Os dias passaram, os miúdos adaptaram-se bem a um mundo totalmente desconhecido de pratos de sopa, pratos pratos rasos, copos para água, copos para vinho, canecas para café, etc, etc, uma cnfusão de todo o tamanho para quem até agora sempre comeu com a mão, e apenas tinha um prato e uma caneca de esmalte que serviam para tudo.

Com os dias a passar ganharam confiança e me apanhei com os dois sentados à fogueira depois de jantar perguntei ao que me parecia mais novo.
-Dezasseis anos-foi a resposta pronta.
-Isso foi o que te mandaram dizer, deves ter treze...
-Tem catorze, disse o outro depois de momentos de silêncio comprometedor.
-E tu, quantos anos tens?
-Eu tenho 15!
-Estudaste?-Dirigi-me novamente ao mais novo.
-Tenho a terceira.
-Tens que estudar mais, a terceira é muito pouco.
-Não tenho cédula. Venho ganhar dinheiro para comprar a cédula!
-Quanto custa a cédula?
-Quatro mil Kuanzas... (Metade do salário mínimo)
-O teu pai não tem dinheiro para comprar a cédula?
Baixou a cabeça e fez um silêncio prolongado...
-O pai dele foi embora no tempo da guerra e não voltou-respondeu o primo...