quinta-feira, 31 de julho de 2008

Luandando

Saída de casa às sete da manhã. Depois de uma breve paragem na pastelaria para tomar um pequeno almoço ligeiro e apressado, partimos em direcção ao Rangel. Era preciso ir cedo entregar um radiador para reparar e ainda sobrar tempo suficiente para podermos passar pela Sonangol antes da hora de almoço.

Quatro pessoas dentro do carro, três delas conhecedoras profundas de todas as ruelas do bairro, esburacadas e de terra batida. A viagem de ida foi "rápida", cerca de uma hora. Serviço entregue, promessa de entrega no dia seguinte... tudo corria sobre rodas. Ainda não eram nove horas e já estávamos a regressar.

Pelo primeiro caminho tentado, demoramos uma hora a percorrer menos de 1000 metros. "Eu já sabia que por aqui não ia dar" disse ao condutor um outro conhecedor da zona. "Devíamos ter virado à esquerda ali a trás".

Inversão de marcha, só a inversão de marcha dava um post, e lá fomos nós pelo caminho alternativo. Maravilha. Durante algumas centenas de metros conseguimos sentir quão irregular é o piso daquelas ruas. Batíamos com a cabeça no tejadilho mas ninguém se importava com isso. Finalmente estávamos a andar!!! Até que... ao virar de uma esquina, novo engarrafamento, tão parado como o anterior. Milímetro a milímetro, com tenacidade, fomos avançando! Quase uma hora e mais alguns milímetros vencidos quando o terceiro entendido dispara " Pelo mercado é mais rápido".

Lentamente fomos avançamos, rompendo uma massa de milhares de pessoas, vendedores e compradores de tudo que se possa imaginar, que miraculosamente iam arranjando o espaço que permitia o avanço do automóvel. Ignoramos algumas observações em tom de brincadeira provocatória à cor tendencialmente clara da pele dos ocupantes da viatura e persistimos. Ali não era possível o recurso à inversão de marcha... Por um golpe de sorte ou por conhecimento de quem fez a sugestão da alternativa, nunca o saberemos porque no dia seguinte tudo pode ser completamente diferente, conseguimos avançar a uma velocidade muito satisfatória, suficiente para nos pôr na Sonangol às 11:45.

Amanhã o radiador está arranjado, vai ser preciso ir buscá-lo...

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Kinaxixe

Quando por lá passei, segunda-feira de manhã, estavam as máquinas a começar a demolição. Ontem à tarde já grande parte estava demolida, e a este ritmo, até ao fim de semana não passará de um monte de escombros.

Dizem que no lugar do emblemático mercado do Kinaxixe (antigo Maria da Fonte) vai nascer um grande e moderno centro comercial.

É a Luanda do futuro em construção.

terça-feira, 29 de julho de 2008

Luanda

Por razões relacionadas com o meu passaporte, encravado há mais de um ano nos meandros burocráticos dos serviços (in)competentes, tive que vir a Luanda. Consegui sobreviver e chegar ileso a mais uma viagem de trezentos Km nas estradas angolanas repletas de armadilhas para condutores incautos. Além de pessoas, cabras e porcos e mais pessoas a passear nas estradas, imensas obras não sinalizadas ou com uma sinalização incipiente tornam cada Km da viagem numa aventura. E nisto os chineses ficam com todas as medalhas. Nos troços a eles concessionados é possível deparar com uma máquina pesada estacionada em plena via, um buraco aberto ou um monte de materiais de construção em pleno asfalto, sempre sem a mínima sinalização e em locais completamente às escuras. Imaginem encontrar uma surpresa destas depois de cruzar com um camionista que se recusou, por avaria ou teimosia, a tirar os máximos reforçados.

São seis da manhã e já estou acordado desde as 4:30. Segunda noite em Luanda e segunda noite de um dormir sobressaltado. Para quem ultimamente tem dormido no meio da floresta e apenas acompanhado pelos seus sons característicos, torna-se difícil conseguir dormir num quarto virado para uma das ruas mais movimentadas de Luanda. É o barulho persistente dos geradores, as conversas eufóricas na rua até altas horas da madrugada, veículos de escape livre em corridas citadinas, um alarme que toca de cada vez que um carro passa perto, camiões vazios a caminho do porto a bater os taipais em cada salto… mas praticamente deixaram de se ouvir as sinfonias de buzinadelas que há três nos acordavam ainda antes das cinco da manhã. Desde que estou acordado ainda não consegui ouvir nenhuma buzina.

E chegou a hora de me preparar para mais um dia na nas ruas da cidade. :-((

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Fim de semana "monótono".

Segunda, 21-07-08.
Depois de uma semana completa passada no isolamento da mata é altura de ir até à vila tomar contacto com o mundo. Veio mesmo a calhar o jogo para o Campeonato Nacional que o Recreativo, clube da terra, iria realizar com o Benfica de Luanda. O jogo correu bem e o bom jogo do Recreativo permitiu uma vitória por dois a um sobre o Benfica. Perder com uma equipa de uma vila do interior que é estreante no Girabola não agradou aos da capital e no fim o árbitro foi o “culpado”. Depois de uma pequena escaramuça com o árbitro como epicentro tudo acalmou com a pronta intervenção da polícia.

Ainda no estádio fomos convidados para um aniversário. Ao fim de semana há sempre uma festa em qualquer lado e como todos se conhecem, as festas são um local de reencontro. Muda o local mas as pessoas são sempre as mesmas. Depois da festa um salto até à discoteca e regresso a casa já de madrugada.

O plano era ficar pela vila durante o Domingo e regressar à fazenda ao fim do dia mas como em Angola o imprevisto é a normalidade, às sete da manhã tudo o que estava programado caiu por terra. Alguns trabalhadores da empresa levaram a notícia que um outro empregado tinha morrido. Trabalhou na sexta feira, foi dispensado a meio do dia por se estar a sentir mal e faleceu às quatro da manhã de Domingo. Morre muita gente em Angola sem motivo aparente. Rapaz novo, com mulher, uma filha de três anos e a mulher grávida de sete meses.

Voltamos à fazenda, 35 km em picada e uma hora de caminho, com os carpinteiros também funcionários da empresa, que apesar de ser Domingo se prontificaram para fazer o caixão. Por volta das quatro da tarde tinham o caixão pronto. Nova ida até à vila para levar o caixão à família. Apesar de o trabalhador em causa apenas ter trabalhado dez dias durante, a empresa teve em consideração o facto de a viúva ter ficado grávida e com uma criança quase de colo e decidiu pagar o mês na totalidade. Ao tentar entregar o dinheiro à viúva foi-nos dito que quem tinha direito ao dinheiro era a mãe do falecido e não a viúva… não sei como foi gasto aquele dinheiro que teria sido uma pequena ajuda para as crianças, mas quem sabe o que é um óbito tradicional em Angola pode imaginar.

Já era noite quando voltamos à fazenda. Hoje é segunda feira, tudo voltou ao ritmo normal e as borboletas continuaram a passar aos milhares, indiferentes a tudo...

domingo, 20 de julho de 2008

Pôr do Sol


Pôr do Sol visto do meu quarto... Não me peçam para mostrar o quarto!

sábado, 19 de julho de 2008

Borboletas

Borboletas


Dia 15-07-08
Pode cair sobre mim a maior tempestade tropical, com chuva torrencial acompanhada de trovoada forte que até me serve de embalo para um sono retemperador, mas o vento nocturno enche-me de uma inquietude que exige a minha vigília. Cansado de esperar pelo novo dia, levantei-me logo que ele timidamente se anunciou e deparei-me com um espectáculo inédito para mim.

Borboletas, borboletas, borboletas… horas e horas seguidas de nuvens brancas de borboletas com uma rota definida em busca de um objectivo pré determinado. Todas iguais, e curiosamente a voar contra o vento quase ciclónico que soprou toda a noite e continuou durante toda a manhã. Já assisti à deslocação em massa de gafanhotos e a saída aos milhões de formigas aladas mas as borboletas são um espectáculo muito diferente. Tudo se processa numa calma silenciosa, sem o frenesim característico dos gafanhotos ou da desestabilização provocada em todos os animais pelas formigas aladas. Subitamente, por volta do meio-dia e como que por encanto, deixou de se ver borboletas…

Dia 16-07-08

As borboletas reapareceram e passaram, passaram, passaram…

Dia 17-07-08

E as borboletas continuam...
Amanhecer visto do meu quarto...


A Viagem

Viagem

13-07-2008

A partida prevista para as 20h50m do dia 11 de Julho só aconteceu muito perto das 22H. Isto obrigou a uma correria pelos corredores do Aeroporto de Lisboa para não perder a ligação com o voo para Luanda. Ultrapassado este pequeno percalço inicial, a viagem decorreu sem outros incidentes. Durante sete horas, suspenso entre o céu e a terra e rodeado por mais 300 pessoas, apenas tive durante alguns minutos a companhia das personagens de um livro do Mia Couto. Mais se acentuou o sentimento de solidão quando a partir de uma certa altura verifiquei que já todos dormiam à minha volta, e as sete horas transformaram-se numa eternidade.

Às cinco e meia da madrugada, sem ninguém a ocupar o lugar a meu lado, e ainda com tudo a dormir, abri a vigia e reparei que uma ténue luminosidade aparecia no horizonte. Tive então direito a um espectáculo exclusivo. O aumento progressivo da luminosidade foi apagando as estrelas que ainda se mostravam e o negro do céu foi-se transformando em azul. O sol que se anunciava pintou de cores quentes e vivas as nuvens próximas do horizonte e mostrou aos poucos o manto contínuo de nuvens brancas por baixo do avião. Por fim mostrou-se em todo o seu esplendor durante alguns minutos, e quando pouco depois o avião começou a descida para o Aeroporto de Luanda, o Sol fez-nos companhia na descida até se esconder novamente no horizonte, vindo a reaparecer novamente depois de já estarmos em terra. Não pude assistir ao novo nascer do Sol por já estar dentro do edifício do aeroporto o que me desgostou. Poderia ter assistido a dois nascer e um pôr-do-sol em menos uma hora.

Depois foram as formalidades habituais, desta vez correram bem, e ir directamente para o trânsito já caótico de Luanda às 8h da manhã de um sábado, 12 de Julho de 2008. Uma ida à “lota” comprar peixe para levar para a fazenda, comer qualquer coisa, nada de leites e bolos, bife completo por volta das 9h30m, mais compras de mantimentos para alimentar mais de cem pessoas durante 15 dias, e pé na estrada para mais trezentos e oitenta quilómetros de estrada asfaltada até Calulo. Mais uma paragem no Zenza para almoçar. Na verdade foi apenas para comprar cerveja fresca para acompanhar as sandes que já levávamos de Luanda. É quase impossível encontrar algum sítio na estrada que venda comida, apenas bebida, bebida, bebida…

Chegada a Calulo pelas 17h30. Mais uma paragem para descarregar algumas coisas e jantar antes de partir para a fazenda. Não se conseguiu avisar a que horas chegávamos e não quisemos arriscar chegar e não ter jantar. Depois de jantar, mais 45Km de picada até à fazenda onde fomos encontrar quem lá estava ainda a comer e com jantar pronto para nós. Já não voltamos a comer… Um banho de chuveiro com água quente, banalidade na Europa mas um luxo aqui onde na própria vila é difícil de conseguir, e nem o barulho do gerador a trabalhar a 20 metros da casa impediu que adormecesse profundamente.

O Local

Depois de 9 meses de ausência, as más condições de alojamento deixadas na altura, tornaram-se péssimas. A empresa mudou-se de “armas e bagagens” para uma nova área de intervenção e tudo ainda está por arrumar. Tudo está improviso de tal modo que até para mim, conhecedor desta realidade foi um choque. Para alguém habituado à vida na Europa, é inconcebível conseguir viver assim, mas por cá e aqui no interior, onde a Guerra andou em força e as pessoas lutaram durante anos e anos apenas pela sobrevivência do dia a dia, estamos no paraíso…

(Continua…)

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Hora Zero


Seria bem mais feliz se eu fosse penas o meu corpo, mas sou mais qualquer coisa além de corpo. Mais uma qualquer coisa que incomoda, que carrega nas tintas que pintam os sentimentos e as emoções. Mais difícil que conseguir reduzir tudo o que quero levar a 20kg, é arrumar todo o turbilhão de sentimentos contraditórios que fervilham dentro de mim. Com a contagem decrescente a chegar ao fim e tudo pronto apenas à espera da hora zero, só eu mesmo é que pareço não estar preparado...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Procuras


O mar do tempo
De infinitas esperas
E de esperanças perdidas
Desagua em mim!
Em sentimentos sofridos,
Pelas estreitas veredas de mim,
Procuro onde me perdi,
Na extensa aridez
Da estrada da vida!!

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Contagem decrescente...


Dia marcado, tudo confirmado... a longa espera chega ao fim. Cansado de esperar, a nova realidade aparece-me como algo irreal em forma de sentimento entre a satisfação e a angústia. Absorvido com os preparativos finais, sei que não vou dar pelos oito dias que faltam para um novo voo.