quarta-feira, 31 de outubro de 2012

O Silêncio



Impressiona a morte lenta da aldeia deserta de crianças. Impressiona também a dimensão da hipocrisia humana, publicitada nas luzes de néon visíveis do lado de cá da fronteira e pertencentes às casas de “meninas” brasileiras, expulsas de Chaves para o lado de lá, de onde publicitam para o lado de cá. Mas impressiona mais que tudo, sentir o silêncio que domina tudo. Depois de alguma hesitação decidi pelo que mais me marcou… o silêncio!

Nas noites da cidade o dia nunca morre por completo. Aqui apenas o eco do silêncio nos faz companhia e já com o candeeiro apagado, a casa e tudo com ela, parece flutuar num espaço intemporal. Inundado de uma paz irreal, fecho os olhos e o sono lentamente toma conta do meu cansaço e transporta-me ao alvorecer de outro dia.
O canto melodioso do amanhecer das aves transporta-me com suavidade do sono para a quietude de uma manhã de Domingo numa aldeia transmontana. Nas encostas das colinas que se estendem no horizonte mostram-se à luz ténue da manhã, aqui e além, casas isoladas numa paisagem parada como uma fotografia, sensação apenas desmentida pelo preguiçoso acordar das colunas de fumo que se desprendem das chaminés vigilantes, a assinalar a presença de vida dentro delas. Ainda sem a presença do vento prometido para a tarde, é permitido ao fumo das chaminés erguer-se em altas colunas brancas, divertindo-se na tentativa de tocar o céu. Tudo se encaixa com a perfeição de uma orquestra afinada de silêncios.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Liberdade efémera.


Irrequietas e felizes como crianças que ignoram a chegada do “homem do saco”, as folhas das árvores brincam graciosamente na rua e no passeio em correias loucas gozando o momento efémero de liberdade desprendidas da arvore mãe, alimentadas pelo toque suave da brisa cálida que festeja o dia de Outono roubado à Primavera. Uma última corrida e a captura pelo ancinho do varredor, que vem cumprir o destino já traçado e igual ao de milhares de outras irmãs já enclausuradas num saco preto de plástico. Ao longo da rua sacos e sacos de liberdade aprisionada esperam pelo camião para a última viagem… 

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Regresso


Três anos se passaram desde a última publicação. Não parece! Desde então muita coisa aconteceu e outra tanta desaconteceu, mas se passar os olhos pela paisagem ou olhar cá para dentro, as diferenças que se notam são apenas as diferenças das paisagens de latitudes ainda mais distantes do que o tempo passado. É esta capacidade que o tempo tem de esconder os danos deixados à sua passagem que nos dá esta sensação de impunidade por cada dia que vivemos. 

sábado, 24 de outubro de 2009

Milagres da Água

Assim como a chuva, que já cai com regularidade, vai pintando de verde o negro em que se tornou a paisagem depois da época das queimadas, também a água que aparece a espreitar aqui e ali da tubagem da rede pública, durante os trabalhos de instalação que lentamente continuam, enche-nos de esperança que está para breve a sua chegada às torneiras das casas.

domingo, 4 de outubro de 2009

Hoje faltou... a energia.

Tik, plak, plak, trik, trak, plik... Seis da manhã e recomeçou a sinfonia dos martelos e ponteiros que descansavam desde as 22 horas de ontem. Os chineses que estão a fazer obras na casa do outro lado da rua trabalham das seis às 22, de Domingo a Domingo... incluindo feriados. Hoje é Domingo, os chineses acordaram-me às 6 como em qualquer outro dia e quando tentei acender a luz o interruptor disse-me que ia ser mais um Domingo sem energia. Se o problema for de Cambambe deixa-nos a esperança que ainda hoje voltaremos a ter energia. Se for aqui na terra já sabemos que só amanhã ao meio da manhã regressará. Nenhum angolano repara uma avaria ao Domingo e o sistema de distribuição de energia não está entregue aos chineses... talvez devesse estar...

Foi notícia de jornal que na semana passada em Luanda os chineses não trabalharam dois dias... fetejavam-se os 60 anos da revolução chinesa, tiveram direito a dois feriados extensivos a quase todos os chineses do mundo... quase todos porque parece que a notícia não chegou até aqui. Não dei por que tivessem parado um único dia. Confesso que quando aqui cheguei nutria uma certa admiração pelos chineses. Pela sua capacidade de trabalho e de adaptação a ambientes desconhecidos e por vezes hostis, pela sua grande organização e pela humildade. Hoje mais conhecedor da realidade sei que a capacidade de trabalho é imposta e a humildade era aparente e servia apenas para camuflar uma imensa arrogância que vai aparecendo à medida que a máscara vai caindo. De momento, como ponto positivo, reconheço-lhes apenas o grande poder organizativo.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A Chuva

Depois de longa ausência anunciou-se de mansinho pelo amanhecer... tal como a chuva, também de mansinho parece voltar a vontade de passar por aqui.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Montanhas

Montanhas do Lussusso - Libolo



Agora aqui, mais logo ali, pé ante pé as colunas de fumo vão tomando conta da paisagem. Em poucos dias sem chuvas o vento quase constante e seco levou o verde predominante da paisagem e deu-lhe uma imagem acastanhada. Abriu caminho para o fogo aparecer em cena, deixando tudo preto à sua passagem enquanto mistura o seu fumo com a neblina que paira constantemente e quase invisível na atmosfera. A paisagem fica da cor do carvão, o azul imaculado do céu toma uma cor indefinida mas o véu atmosférico que resulta da mistura do fumo com a neblina, cria um matizado de uma beleza indescritível nas montanhas que nos rodeiam.