quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Minas

Sinal que avisa que do lado esquerdo da picada se encontra um campo minado.



Nesta imagem pode-se ver como estão "guardados" os materiais explosivos encontrados pelas equipas de desminagem. Ao ar livre e alcance de qualquer um.


Dia 9 de Dezembro, meio da tarde com as pessoas nas suas actividades do dia a dia. De repente um estrondo e toda a vila é abalada. As pessoas precipitaram-se para locais de onde poderiam ver a encosta de onde veio o som da explosão. Não era preciso ser um perito para adivinhar o que tinha acontecido. Mais uma mina tinha rebentado…

Da fila para o combustível onde me encontrava, podia ver na perfeição a encosta que dá para o alto das mangueiras onde se edifica a Cidade Nova. Construída no local ocupado pelo quartel em tempo de guerra, estava rodeada de campos minados que na altura protegiam as instalações militares. Durante os trabalhos de desminagem era frequente ouvir explosões provocadas, mas a zona foi dada como limpa e há muito que nada explodia para aquelas bandas. Depois da explosão ainda se instalou a dúvida se seria mais uma explosão controlada ou se pelo contrário, esta seria acidental. Dúvida depressa desfeita pelos gritos que lá da montanha chegavam à vila e com a visão de pessoas, pequeninas como formigas, a correr desordenadamente na tela verde que era a encosta que dá para o Bairro das Mangueiras. Uns afastavam-se do local enquanto outros convergiam para o ponto da explosão. Os minutos passaram nesta azafama de pessoas em movimentos aleatórios até que apareceu um carro branco, da desminagem ou talvez uma ambulância, e alguém saído do carro, também vestido de branco destacou-se em toda aquela movimentação como a personagem principal de um bailado macabro, ora correndo até ao local do acidente, ora correndo novamente até ao automóvel… O tempo passou e tudo voltou à normalidade de antes. Tinha sido mais um acidente não muito diferente de outros a que já todos tinham assistido.

Ainda na fila do combustível fui sabendo os pormenores comentados com uma frieza de arrepiar. Alguns rapazes tinham ido às mangas, ainda estão verdes mas é quase um ritual pelo qual eu próprio passei vezes sem conta em miúdo, comer mangas verdes com sal. Um deles accionou uma mina e ficou sem as duas pernas. Longe de se compadecerem com o que aconteceu ao rapaz, os comentários eram unânimes em responsabilizá-lo com frases do género – Se não passava fome para que é que tinha de ir apanhar mangas? Os próprios investigadores da polícia que por ali passaram a pé a caminho do hospital, perante o comentário meio provocatório do funcionário das bombas de que a desminagem não tinha feito o trabalho em condições, responderam com a pergunta – E que é que ele tinha que ir lá fazer?

Mais tarde, já em casa e em conversa de amigos apercebi-me de teorias pouco abonatórias que correm em relação às empresas de desminagem. Para puderem prolongar os contratos vão colocando novas minas em locais já desminados, ou descobrem minas noutros onde nunca constou que tivesse havido minas. É o que se diz para justificar rebentamentos inexplicáveis em locais dados como seguros e já frequentados em segurança há vários anos e a descoberta de minas em locais improváveis… Teorias difíceis de aceitar e obviamente não alinho nesta teoria, mas servem para ver que as empresas de desminagem não são vistas com muitos bons olhos. Sabe-se lá porquê!

8 comentários:

Unknown disse...

Mais uma vez fiquei sem palavras e igualmente com lágrimas nos olhos! Pela situação, pela falta de sorte, pela frieza com que se fala de uma vida que num instante mudou completamente o seu rumo!
Acredito que tenha forçosamente de ser assim mas não deixa de ser triste constatar que esta é a dura realidade em que Angola mergulhou.
Um beijo grande para ti.

Unknown disse...

Chocante? Claro que sim. Mas...
retiremo-nos da nossa veste Europeia e dita civilizada... encorporemos a cultura daquele país, encaremos as coisas como elas são. Chocante? Claro que sim... apenas não me choca mais, ou nem tanto, quanto algumas barbaridades que se cometem em países ditos civilizados como este em que habitamos. Há tanto por fazer num país tão novo ainda, tão a reaprender, tão a começar.
O que me choca de verdade, e talvez agora o Fernando perceba o que quis dizer na altura, é que se façam concursos de beleza a mulheres amputadas em que o "prémio" seria uma prótese XPTO. isso é que me choca. Não deveriam todos estes feridos de guerra, inocentes, vítimas ser "presenteados" com um prótese, mesmo que não sejam as mais belas/os, ou mesmo que a prótese em vez de ser XPTO seja só XP????

Coisas destas é que me chocam verdadeiramente...

Mais beijos

Seagul disse...

Pois a mim choca-me tudo mas sobretudo, desculpem-me o egoísmo, sobretudo dizia preocupo-me o facto de aparecerem minas em locais improváveis, logo ao alcance de qualquer um... inclusivé um Fernando de que gosto muito.
Beijinhos e que Deus te guarde.
Gina

xa disse...

Boas. Fico feliz por ter encontrado mais um blog que fala da terra que também me viu nascer! Fiz um blog onde vou metendo fotos que o meu falecido pai tinha. Se houver quem as saiba identificar agradeço.
Aquele candando,
Carlos

Lusbelo disse...

;*
Gracinha, apesar da dura realidade em que Angola está mergulhada, já foi muito pior e agora as pessoas já conseguem ver um leve sorriso na face do futuro. E só este leve sorriso é mais que suficiente para que as pessoa acreditem que o mergulho no abismo está para terminar.

Talvez dedique um post a este tema... ;-)

Beijos... grandes, claro. ;-* ;-*

Lusbelo disse...

;*
Já não me lembrava dessa conversa mas fez-se um click e recordei.

Já na altura percebi o que querias dizer. Não deixei, como não deixo agora de te dar razão mas uma coisa não invalida a outra. Talvez elevar a auto estima de um(a) ampotada seja muito mais valioso do que simplesmente oferecer uma prótese. Também podemos se seria a melhor forma de se elevar a auto estima daquelas raparigas, mas o que é que não é questionável nesta vida e neste mundo??

Poderemos voltar ao tema num ambiente mais privado se o quiseres.

Beijos. ;-* ;-*

Lusbelo disse...

Olá Gina ;-**
Estão ao alcance de qualquer um mas vou procurar manter-me afastado.

Beijoooos... muitos. ;-*********

Lusbelo disse...

Carlos Santos!

Estive a espreitar as fotos de Calulo. Com essa idade e saído daqui a 33 anos, mal deu para conhecer a terra natal. Nestas situações, mesmo que não haja amor pela terra, existe sempre a curiosidade pelo sítio que nos viu nascer.

A cada dia que passa recupera um pouco da sua beleza de antigamente. Prometo ajudar a identificar, se não as pessoas, pelo menos os locais.

Um abraço.

Prometo