domingo, 28 de dezembro de 2008
As Cachoeiras
Como na Vila não existia gasóleo, raramente há dado que acaba em menos de 24 horas depois do reabastecimento dos tanques, teve que se andar 100 Km em sentido contrário para abastecer o carro. Ainda tínhamos combustível suficiente para chegar à Quibala que fica à mesma distância do Dondo mas não era certo que lá houvesse combustível. Como no Dondo há sempre, valia a pena fazer o sacrifício de mais 200 Km e não arriscar ficar na estrada. Como se esperava, no Dondo havia combustível… foi só abastecer, tomar mais um café e arrancar direitos ao objectivo.
O dia começou meio farrusco com nevoeiro e nuvens baixas na zona montanhosa que temos que atravessar no início da viagem. Manteve-se cinzento com alguns chuviscos a obrigarem-nos por vezes a meter sete pessoas nos cinco lugares da cabine do carro. Mas estas coisas em Angola são sempre encaradas como um bónus no divertimento e nunca como uma contrariedade.
Chegamos à Quibala e tal como prevíamos não havia combustível. Foram bem empregues os 200Km feitos a mais. Com menos de metade do caminho percorrido tinha chegado o fim do asfalto. Ia começar o mais difícil da viagem. Entre a Quibala e o Sumbe, com a estrada em obras, encontram-se troços de estrada péssima, estrada má, estrada assim assim, e um bocadinho de estrada boa a descer a serra da Gabela para o Sumbe. Mas a beleza da paisagem encarregava-se de apagar qualquer resquício de má disposição e enquanto olhamos o espectáculo que nos rodeia esquecemos os buracos ou a lama da estrada. Rios caudalosos, (Kuanza duas vezes, Longa, Nhia, Keve e outros de menor dimensão mas mesmo assim com uma impressionante força das águas), planícies a perder de vista com monólitos do tamanho de montanhas semeados aleatoriamente. Cordilheiras de altas montanhas a separar uma planície de outra ainda maior… e o verde. O verde de tonalidades próprias de África sempre como companhia.
O local é bonito, muito bonito mesmo e com o pormenor raro em Angola de estar limpo e cuidado. Sem a monumentalidade de outras quedas de água de Angola, impressionam pela força do grande caudal do rio. Estranho como aquela fúria das águas e o som alto e persistente tem o condão de nos trazer uma imensa e profunda serenidade. Três horas, um mergulho e muitas fotografias depois era tempo de regressar.
De regresso, a mesma paisagem pareceu perder o encanto da manhã. Ou pela luz que era diferente, o sol já espreitava por entre as nuvens pintando manchas claras na paisagem substituindo as neblinas dispersas da manhã nesse papel , ou pelo cansaço que nos fazia desejar que a casa fosse já ali, as sensações também se tornaram diferentes.
Pouco antes da chegada e já ao anoitecer, uma trovoada monumental acompanhada de chuva torrencial durante mais de uma hora, obrigou-nos a caber novamente os sete na cabine. Para mim foi um fecho com chave de ouro. Para outros nem por isso.
Com o céu todo negro e quatro grandes trovões secos mesmo aqui por cima, anunciam neste momento, 12:25 de Domingo, a chegada mais uma tempestade.
sábado, 20 de dezembro de 2008
A Força do Feitiço
Como foi? Quem terá sido? A conversa com os carpinteiros, os responsáveis pela carpintaria, foi inconclusiva quanto ao autor, mas deu para concluir que poderia ter sido qualquer um dos oitenta trabalhadores e que a porta não estava longe. Todos os que trabalharam no dia anterior estavam a trabalhar e como as respectivas casas ficam todas a mais de 10 Kms, não houve tempo de terem levado a porta a pé até casa e voltado na mesma noite.
Falou-se em reter os salários até a porta aparecer, os pagamentos seriam sexta-feira, ou descontar um tanto a cada um dos trabalhadores para pagar a porta à São, que representava uma quarta parte do salário mensal. Mas a São disse que não era preciso, ela própria ia tratar do assunto.
Ao fim do dia, quando o pessoal se reuniu todo para receber os cartões de ponto, entrou a São em acção. A uns minutos de discurso em Quimbumdo dirigido à plateia, seguiram-se mais alguns em Português em que disse mais ou menos isto…
- Vocês só sabem roubar e não vos basta roubar os brancos que não sabem fazer feitiço, agora também roubam os pretos? Desta vez se enganaram, a porta é minha, sou preta como vocês e sei fazer feitiço. Se a porta não aparecer ali a trás daquela madeira amanhã de manhã, vou fazer um feitiço para o ladrão morrer. Feitiço forte de morrer mesmo, não só de ficar doente. Eu sei, não custa nada. É só uma galinha que já pedi ao Tio Amândio e pouco mais. Já vos avisei.
Fez-se um silêncio sepulcral e lentamente retiraram, enquanto a São nos confidenciava que a porta ia aparecer.
No dia seguinte logo ao iniciar os trabalhos alguém encontrou a porta exactamente no local apontado pela São onde deveria ser colocada. Instalou-se de imediato uma alegria enorme com uma algazarra audível a vários Kms. Todos quiseram ajudar a trazer a porta até ao local de onde tinha sido roubada, ou pelo menos tocar-lhe. Pareceu ter ganho algo de sobrenatural.
- Eu não disse que a porta ia aparecer – Ia repetindo a São com um enorme sorriso estampado no rosto.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Saltando e Rindo
Umas vezes por incapacidade de quem está à frente dos organismos que tutela, mas na maioria dos casos apenas fruto do oportunismo de quem tem aquele poderzinho de poder emperrar isto ou aquilo, sabendo que daí poderá tirar dividendos, fazem com que caminhemos de gasosa em gasosa como quem atravessa um rio torbulento saltando de pedra em pedra, molhando os pés aqui e ali, mas sempre na esperança de chegar ao lado de lá sem um mergulho nas águas.
domingo, 14 de dezembro de 2008
Fotos
sábado, 13 de dezembro de 2008
Os Chineses - Parte II
Este chinês era ainda mais pequeno, quase anão para padrões ocidentais, mas muito mais enérgico e com muito menos calma. Discutia muito com o bombeiro mas além de, chinês tem kuanza, chinês não foge, tu homem mau, quase mais nada entendíamos. Pelos gestos entendemos que ele queria que o bombeiro começasse a abastecer enquanto ele ia ao escritório pagar. O bombeiro respondia que só começava abastecer quando tivesse o papel, e mesmo depois de entregar o papel teria de passar para trás dos que já tinham entregado o papel.
A deitar chispas pelos olhos lá foi ele com passos curtos mas rápidos e cheios de energia, o carro em que veio tinha regressado à base, e foi vê-lo rua a cima cada vez mais pequenino a cada passada. Mal ele partiu já o bombeiro telefonava para o escritório:
- Vai aí um chinês. Não o atende. Tem o carro aqui parado e não deixa ninguém ser atendido. Se vier com o papel vai querer ser atendido à frente dos outros que já entregaram o papel.
Com o tempo a passar foi-se fazendo também uma fila de bidons de 20 litros para serem enchidos. O bombeiro continuava na sua de não atender ninguém, nem mesmo os bidons carregados à mão do pessoal da candonga. Uma fila de carros na estrada e uma fila de bidons no passeio à espera da decisão dos chineses. No meio de toda aquele confusão apareceu alguém com dois bidons, dirigiu-se directamente ao primeiro lugar da fila e foi atendido de imediato… Quando alguém reclamou, o bombeiro justificou-se:
- Não estou a atender ninguém. Estes bidons são meus. Vão para minha casa para quando acabar o combustível as pessoas ainda poderem comprar lá… Em termos angolanos foi uma boa justificação já que todos aceitaram o facto com naturalidade. ;-))
Entretanto já o chinês descia a rua sem papel e com o empregado do escritório a segui-lo. Chegado cá a baixo, mais do mesmo. Porque queriam carregar combustível... porque tinham que tirar o camião. E aí vai o chinês pequenino de novo rua a cima sem que ninguém percebesse muito bem o que ia fazer. Com o empregado do escritório cá em baixo não ia conseguir nada lá em cima. Com as coisas neste pé, só restava a solução de ir chamar a polícia. O empregado do escritório que agora estava por ali encarregou-se da tarefa. Afinal era quase só atravessar a rua. Pouco tempo passou e já dois polícias estavam no local. Mesmo com a autoridade que a farda lhes confere e só com um chinês no terreno, ainda tiveram que fazer uso de todo o seu poder de persuasão, ameaçando multar o camião chinês, para que o chinês motorista se resignasse a carregar apenas 500 Litros.
Despachados os chineses tudo correu normalmente. De assinalar que em todo este processo que demorou mais de duas horas, apenas se ouviram alguns comentários aludindo ao facto de os chineses, por terem as costas quentes devido ao seu papel essencial que desempenham na reconstrução do país, quererem passar por cima de todos. Nada de gritos, nada de insultos nem ameaças de violência. Tudo incomparavelmente mais civilizado do que em muitos locais ditos civilizados que eu conheço.
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
Minas
Dia 9 de Dezembro, meio da tarde com as pessoas nas suas actividades do dia a dia. De repente um estrondo e toda a vila é abalada. As pessoas precipitaram-se para locais de onde poderiam ver a encosta de onde veio o som da explosão. Não era preciso ser um perito para adivinhar o que tinha acontecido. Mais uma mina tinha rebentado…
Da fila para o combustível onde me encontrava, podia ver na perfeição a encosta que dá para o alto das mangueiras onde se edifica a Cidade Nova. Construída no local ocupado pelo quartel em tempo de guerra, estava rodeada de campos minados que na altura protegiam as instalações militares. Durante os trabalhos de desminagem era frequente ouvir explosões provocadas, mas a zona foi dada como limpa e há muito que nada explodia para aquelas bandas. Depois da explosão ainda se instalou a dúvida se seria mais uma explosão controlada ou se pelo contrário, esta seria acidental. Dúvida depressa desfeita pelos gritos que lá da montanha chegavam à vila e com a visão de pessoas, pequeninas como formigas, a correr desordenadamente na tela verde que era a encosta que dá para o Bairro das Mangueiras. Uns afastavam-se do local enquanto outros convergiam para o ponto da explosão. Os minutos passaram nesta azafama de pessoas em movimentos aleatórios até que apareceu um carro branco, da desminagem ou talvez uma ambulância, e alguém saído do carro, também vestido de branco destacou-se em toda aquela movimentação como a personagem principal de um bailado macabro, ora correndo até ao local do acidente, ora correndo novamente até ao automóvel… O tempo passou e tudo voltou à normalidade de antes. Tinha sido mais um acidente não muito diferente de outros a que já todos tinham assistido.
Ainda na fila do combustível fui sabendo os pormenores comentados com uma frieza de arrepiar. Alguns rapazes tinham ido às mangas, ainda estão verdes mas é quase um ritual pelo qual eu próprio passei vezes sem conta em miúdo, comer mangas verdes com sal. Um deles accionou uma mina e ficou sem as duas pernas. Longe de se compadecerem com o que aconteceu ao rapaz, os comentários eram unânimes em responsabilizá-lo com frases do género – Se não passava fome para que é que tinha de ir apanhar mangas? Os próprios investigadores da polícia que por ali passaram a pé a caminho do hospital, perante o comentário meio provocatório do funcionário das bombas de que a desminagem não tinha feito o trabalho em condições, responderam com a pergunta – E que é que ele tinha que ir lá fazer?
Mais tarde, já em casa e em conversa de amigos apercebi-me de teorias pouco abonatórias que correm em relação às empresas de desminagem. Para puderem prolongar os contratos vão colocando novas minas em locais já desminados, ou descobrem minas noutros onde nunca constou que tivesse havido minas. É o que se diz para justificar rebentamentos inexplicáveis em locais dados como seguros e já frequentados em segurança há vários anos e a descoberta de minas em locais improváveis… Teorias difíceis de aceitar e obviamente não alinho nesta teoria, mas servem para ver que as empresas de desminagem não são vistas com muitos bons olhos. Sabe-se lá porquê!
Os Chineses
Uma semana à espera de conseguir combustível. Primeiro não havia mesmo combustível. Chega já amanhã. O já amanhã prolongou-se por dois dias. Porque o camião de combustível avariou no caminho e tal e tal… Já vem outro a caminho e amanhã já vai haver. Este outro camião não avariou mas também este amanhã demorou dois dias a chegar. Quando finalmente chegou o combustível faltou a energia. Haveria ainda a possibilidade de abastecer nas outras bombas que funcionam com gerador se o gerador não estivesse avariado…
No dia 8 de Dezembro estavam reunidas todas as condições. Havia energia eléctrica e combustível com fartura. Só não havia motorista para o carro e tive que ser eu a ir à vila em busca do indispensável combustível para manter a unidade em funcionamento. Depois de ter saído da vila às 4 da manhã regressei, já almoçado, por volta do meio-dia, hora a que as bombas fechavam do período da manhã. Como a fila era grande deixei o carro e fui até casa. Até as 14:30 deu para ir à net ver os emails, para telefonar, conversar no MSN… essas coisas.
À hora de abertura regressei às bombas para abastecer 200 litros de gasolina e 400 de gasóleo. Correndo tudo normalmente seria talvez coisa para demorar uma hora a hora e meia, mas como por aqui só a anormalidade é normal, demorou muito mais....
Dois carros à minha frente estava um camião dos chineses que queria carregar 2500 litros. Pouco antes de ser atendido foi-lhe perguntado se já tinha pago. Mais de 500 litros só com pré pagamento feito no escritório situado a cerca de 300 metros. Não deve ter entendido o que o funcionário lhe disse nem depois do seu acompanhante angolano lhe ter explicado o mesmo, com o auxílio de gestos, porque se manteve impávido ao volante do camião. Quando chegou a vez dele ser atendido não tinha o papel justificativo do pagamento. O funcionário recusou-se a fornecer o combustível e o chinês recusou-se a retirar o camião estacionado no ponto de abastecimento, impedindo o atendimento de outros clientes.
-Diz-lhe que tem que ir pagar primeiro, diziam para o angolano que acompanhava o Chinês.
-Eu já disse mas ele não quer!
Mostravam ao chinês outras facturas já em poder do bombeiro e diziam-lhe por gestos que tinha que ir buscar uma para poder abastecer. E o chinês pequenino mas teimoso, mantinha-se impávido e sereno repetindo vezes sem conta provavelmente as únicas palavras que sabia de português,
-Tenho kuanzas, tenho kuanzas… numa pronúncia quase incompreensível.
Telefonou a alguém que saberia português porque depois de algumas palavras em chinês passou o telefone ao acompanhante angolano. O angolano falou, desligou e comunicou-nos que o chefe vinha aí para resolver.
E o chinês pôs-se naquela posição parecida com as nossas cócoras mas em que se sentam nas próprias barrigas das pernas, armou-se de toda a sua paciência e pôs-se à espera. Os angolanos que também são bons na arte de saber esperar apenas lhe ia fazendo uma ou outra sugestão na tentativa de conseguir alguma compreensão da parte do chinês.
- Cota, chega só o carro um pouco à frente para os outros abastecerem – pedia um!
- Eu tenho que ir para Luanda e tenho os clientes no táxi à espera – lamentava-se outro!
Depois de muita insistência, não aguentou a pressão, entrou no camião e quando se preparava para arrancar apareceu um carro com o chefe que mesmo antes de se apear ordenou com gestos em chinês para que ficasse onde estava. Foi um balde de água fria… ia começar tudo de novo.
Continua depois das Minas. Ainda não tinha acabado de escrever este post quando aconteceu o episódio da mina que relato a seguir e a que decidi dar prioridade.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Os Alemães
Da enorme colónia de alemães existente no Libolo na era colonial sobraram quatro. Contra tudo e contra todos aqui permaneceram, mantiveram as propriedades e adquiriram a nacionalidade Angolana. Muito diferentes de portugueses e de angolanos, desde criança habituei-me a ouvir histórias relativas à sua excentricidade ou aos hábitos culturais muito diferentes dos nossos.
Hoje num convívio de amigos voltei a recordar aquelas histórias. Esta é recente e passada com um dos quatro alemães restantes... certo dia o alemão fazia anos e convidou algumas figuras da terra para a festa. A festa era na fazenda mas como os angolanos estão sempre prontos para uma boa festa, à hora marcada.
O cenário era uma casa abandonada há mais de dois meses com ervinhas, aranhas e centopeias no alpendre, um capinzal no quintal e a casa toda fechada. Foram chegando outros convidados e nada de anfitrião. Instalou-se a dúvida se a festa seria mesmo ali, mas como era pouco provável que todos estivessem equivocados esperaram. Saber esperar é fácil em Angola. Faz parte da vida e corre nas veias como um dos temperos fundamentais do sangue angolano. Além disso, por estas paragens há sempre que contar com o habitual imprevisto. Chamamos imprevisto não por duvidarmos que aconteça, mas por não sabermos o que vai acontecer.
Dizem que mais de uma hora depois apareceu o anfitrião. Trazia para a festa algumas latas de sardinha, pão, cerveja e algumas gasosas. Uma travessa enorme deu para pôr o conteúdo das latas de sardinha e ou menos lestos a pegar em talheres tiveram que usar da imaginação para conseguir comer alguma coisa além de pão.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2008
24 horas algures em Angola
Mas vamos à história completa... Além da rede de telemóvel, também não existia o gasóleo que eu vinha comprar... só chega amanhã de Luanda, disseram-me. Óptimo, já era quase noite e não fazia tenções de regressar à fazenda àquela hora. Sem net ainda consegui uma boleia no PC do meu irmão que usa outra rede, mas mesmo assim deitei-me relativamente cedo. Não nos levantamos impunemente às 5 da manhã.
Ao deitar-me planeei ir comprar gasóleo para a fazenda, e gasolina para o gerador cá de casa logo cedinho e arrancar para a fazenda logo a seguir. Convencido que assim seria, por volta das seis horas já tomava o meu cafesinho e me preparava para fazer o que tinha programado. Um olá através da net aos amigos e familiares espalhados pelo mundo e lá vou eu... gasóleo já havia mas a bomba que o puxa do depósito subterrâneo estava avariada. :-(( O técnico já vai arranjar... -E gasolina? -Gasolina não veio!!! :-((((((
Uma volta pelos candongueiros conhecidos na tentativa de arranjar 20 litros de gasolina foi infrutífera. Gasóleo havia com fartura mas era vendido em doses de 20 litros ao dobro do preço e eu queria 500 litros. Não era viável. Vou esperar que a bomba seja arranjada...
Em casa, ainda sem rede de net e de telm, consegui novamente uma boleia no PC do irmão para uns olás a pessoas distantes que moram em mim. O resto da manhã foi passado a orientar as obras de construção civil que decorrem cá em casa, com a energia eléctrica intermitente a atrapalhar. Não muito porque é quase tudo manual com poucas máquinas a depender de energia eléctrica.
Depois de almoço nova investida em busca do gasóleo. Encostei na bomba e tudo fechado... alguém que ia a passar informou-me que a bomba estava avariada. Já sabia mas agradeci... No regresso desiludido a casa deparei com meia dúzia de adolescentes com bidons de 20 litros, imagem típica de candongueiros de combustível, sentados nas escadas da fortaleza. Perguntei se vendiam gasolina. Que não, que só tinham gasóleo. -E gasolina, onde posso encontrar. -Gasolina é o bombeiro, empregado das bombas de combustível, que vende na casa dele... :-O
Não arranjo gasóleo para a fazenda mas vou conseguir gasolina para o gerador de casa, pensei. Mas a gasolina já tinha acabado até na casa do bombeiro. Mas como nem tudo pode correr mal, reapareceu o sinal da UNITEL.
Vou para casa enviar umas mensagens e fazer uns telefonemas e arranco para a fazenda de seguida. De mãos a abanar, é certo, mas como na vila já não estava a fazer nada... Pude enviar as mensagens e telefonar mas qundo me preparava para partir, um espesso nevoeiro acompanhado de forte trovoada escondeu por completo o Sol e não tardou que catadupas de água se abatessem na terra sedenta, já não chovia há 15 dias, libertando o cheiro característico destas paragens a terra molhada. A escurecer e com a chuva diluviana que se fazia sentir, resolvi não arriscar uma viagem de quase 40 km em picada, com um carro de vinte anos...
Agora, já sem chuva e com a energia de regresso, tenho o despertador ligado para as 4 da manhã, na esperânça de partir às 4:30.
segunda-feira, 24 de novembro de 2008
Excelsis.
Mas hoje não pude fazer nada disso. Com apenas treze livros na “estante”, já lidos e relidos, tomei consciência da importância daqueles gestos simples e quase inconscientes. Socorri-me do livro que por mais que seja lido, nunca estará lido, que me fez companhia durante o resto da tarde…
Fecho, cansado, as portas das minhas janelas, excluo o mundo e por um momento tenho a liberdade. Amanhã voltarei a ser escravo; porém agora, só, sem necessidade de ninguém, receoso apenas que alguma voz ou presença venha interromper-me, tenho a minha pequena liberdade, os meus momentos de excelsis.
Na cadeira, onde me recosto, esqueço a vida que me oprime. Não me dói senão ter-me doído.
O livro do Desassossego, Bernardo Soares.
Um Dia Molhado
… E foi mesmo… o choro melancólico das nuvens na chapa de cobertura foi o canto que me embalou durante a noite.
Manhã Diferente
Sozinho no carro, sem a música nem o rádio ligados por opção, entreguei-me à paisagem que ia aparecendo à minha frente. Muita gente na estrada à saída da vila/cidade, na sua grande maioria mulheres acompanhadas de crianças, carregando ferramentas de lavoura nos recipientes vazios que ao cair do dia permitirão trazer o que servirá de jantar a toda família naquele dia. Caminhando literalmente no meio da estrada, afastam-se lentamente com à aproximação do automóvel. Devido a este intenso tráfego pedonal, só ao fim de alguns quilómetros pude libertar a atenção da estrada e aconchegar os olhos a um vasto panorama de floresta de montanha. Vestida de lavado pelo forte cacimbo que se fez sentir durante a noite, e matizada de centenas tonalidades diferentes de verde, ali estava pronta para ser desfrutada, toda a beleza e o esplendor de uma floresta tropical. Só a longa e estreita faixa de asfalto negro destoa da cor dominante. Nesta altura do ano em que o começo das chuvas faz renascer a vegetação, cada planta capricha em ter um verde diferente de todos os outros, chegando algumas delas por si só a apresentar várias tonalidades diferentes de verde, consoante a idade da folhagem ou o ângulo de incidência da luz. Aqui e ali as nuvens baixas escondiam o pico das montanhas mais altas, permitindo-nos imaginá-las tão altas quanto o tamanho da nossa imaginação. Foram 40 Km de distância com 600m de desnível mergulhado em verde. Depois de uma curva apertada numa garganta estreita entre duas montanhas, o sol que inunda toda a planície lá ao fundo quase me encandeia com o seu aparecimento inesperado. Os verdes tornaram-se acastanhados e a floresta de árvores de grande porte deu lugar a uma espécie de Savana com árvores quase arbustos.
Na planície rodeada de altas montanhas sobressaem os pavilhões brancos do aviário gerido pela Vovó Galinha, alcunha carinhoso devido à dedicação que tem pelos seus pintos. Uma visita de “cortesia” à Vovó Galinha, um dia ainda falo aqui da Vovó Galinha… Acho que ela merece um post exclusivo. A “cortesia” deveu-se a uns dinheiros atrasados que o aviário nos deve!! Quarenta e cinco minutos de conversa em forma monólogo, quem me conhece sabe de certeza quem dominou o monólogo, e segui viagem na estrada que liga Luanda ao Huambo, no famoso troço dos Morros do Lussusso, terror dos camionistas já na era colonial. Impressionante o número de carcaças de camiões que ladeiam a estrada. Um autêntico cemitério de camiões e camionistas. Facilmente nos apercebemos pelo aspecto que algumas jazem ali há muitos anos, mas outros são bem recentes. Lá estava, no fim de uma descida e antes de uma curva, espalhados numa ribanceira, os restos dum camião e da ração que vinha da Namíbia para os pintos da Vovó Galinha. O camião tinha-se despistado três dias antes e o seu aspecto, separado em várias partes, não permitia ter grandes esperanças na sobrevivência do motorista. Mas sobreviveu, segundo informação acabada de receber da minha interlocutora recente. Sobreviveu ao acidente mas duvido que tivesse sobrevivido aos serviços de saúde. Estrangeiro, sem padrinhos ou conhecidos foi recusado em três hospitais antes de ser aceite num…
Com a subida em direcção ao Lussusso voltou o verde, mais fresco que o da planície mas sem a exuberância do verde das outras montanhas e sem a presença das árvores de grande porte. Reapareceu sim a humidade e o sol despediu-se. Ainda não eram 9 horas da manhã e a luminosidade permitida pelas nuvens negras que se avistavam lá em cima e ao longe, mergulhou-me num crepúsculo prematuro e prolongado!! Muita chuva lá no alto, chuva que me acompanhou durante todo o trajecto de picada que ainda tive que fazer até casa/fazenda. E conduzir em picada com chuva não permite olhar a paisagem para a poder descrever…
sexta-feira, 14 de novembro de 2008
Vidas
O marido que também trabalhava aqui foi ontem despedido e ela ficou com 4 crianças, de idades compreendidas entre um e os seis anos para sustentar. Dito assim, o despedimento pode parecer um acto desumano e que para a senhora terá sido uma desgraça. Mas em África, tal como nas sombras chinesas, em todos os acontecimentos a realidade está sempre escondida por de trás do biombo.
Com dois filhos de uma união anterior, e os outros dois deste novo companheiro, além dos maus tratos sofridos por ela e pelos filhos, ainda era obrigada a gastar quase todo o seu vencimento em bebida para ele. Quando soube que o marido foi despedido, por desacatos provocados por ele no acampamento durante a noite, apressou-se a perguntar se ela poderia continuar a trabalhar por cá. Por cá ficou.
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Tempestade
Ao sair à rua, apenas a ténue claridade que conseguia vencer o manto espesso das nuvens dizia que o Sol estaria algures acima do horizonte. E o silêncio assim… visto... era ainda mais pesado que o silêncio apenas ouvido. Fiquei também em silêncio, como se qualquer ruído meu pudesse quebrar algum encanto misterioso pairando no ar. Durante longos minutos tive a sensação que o silêncio já absoluto se ia tornando ainda mais profundo, enquanto as nuvens passavam progressivamente do cinzento ao negro e o dia, que não chegou a aparecer, era novamente noite. Mais duas pessoas se levantaram entretanto, estranharam o ambiente, e a previsão foi de que iria chover muito.
O ruído da descarga de uma faísca a cair muito perto, associado ao trovão quase em simultâneo, fez o céu desabar em luz, água e gelo. O barulho ensurdecedor da chuva e granizo, na chapa de zinco que cobre a casa, não permitia sequer falar com alguém, mesmo gritando, a mais de 30cm de distância. Mais de uma hora infernal de vento forte, muita chuva, granizo, trovoada acompanhada de relâmpagos em sequência rápida e regular, deu uma pequena amostra da força da Natureza.
Passada a fúria, e como que obedecendo algum maestro imaginário, a tempestade abrandou, e lentamente desapareceu por completo. Por momentos o silêncio voltou a dominar. Então, um a um, todos os sons habituais e familiares, temporariamente emudecidos, retomaram o seu lugar.
Angola… África em todo o esplendor dos seus contrastes. Infelizmente, outros contrastes, nada têm de espectacular ou poético.
Ausências
quarta-feira, 24 de setembro de 2008
Caótico!
Acredito que hoje vai ser melhor porque não consigo imaginar um cenário pior, mas como Angola tem sempre uma surpresa guardada para nós...
terça-feira, 23 de setembro de 2008
Quem diria!?
- Ó cara, o melhor que Angola tem é a ségurança. Tu pode ir a qualquer hora em qualquer lugar sem medo. Na minha cidade, sair de casa depois do Sol Posto é suicídio...
E ele não é do Rio ou de S. Paulo. Vem de uma cidadezinha obscura, perdida na imensidão do Nordeste.
segunda-feira, 22 de setembro de 2008
O Cazumbir
Já tinha ouvido falar desse choro que em algumas noites inunda a floresta e dos mitos que o envolvem, e pelas seis da manhã perguntei “ingenuamente” à plateia de oitenta trabalhadores, que recebiam orientações sobre o que iriam fazer naquele dia, que animal era aquele que passou perto durante a noite e parecia uma pessoa a chorar. Uns garantiam que era o Cazumbir outros afirmavam com toda certeza que parecia o Cazumbir mas não era o Cazumbir. Era um pássaro que imita o Cazumbir… Não foi possível chegar a um consenso mas ninguém pôs em dúvida a existência do Cazumbir!!!
Nota: Cazumbir é o equivalente a fantasma, alma do outro mundo ou alma penada, na civilização ocidental. à falta de castelos e grandes mansões, aqui preferem andar pelas florestas.
quinta-feira, 18 de setembro de 2008
domingo, 7 de setembro de 2008
The day after...
Todos estávamos convencidos que teríamos de votar na assembleia de voto onde estávamos recenseados, e toda a programação de trabalho foi feita nesse sentido. A partir do fim de semana anterior toda a gente se começou a movimentar e as estradas ficaram apinhadas de gente que se deslocavam das mais variadas maneiras carregando como podiam tudo o que era possível levar. Penso que perante este panorama a Comissão Nacional de Eleições foi obrigada a autorizar o voto em qualquer assembleia. Com o ritmo de desenvolvimento que o país está a ter e com a facilidade nas deslocações devido à grande quantidade de estradas já recuperadas, são muitos milhares as pessoas que neste momento não se encontram no local onde se recensearam. Algumas estão mesmo muito, muito longe desses locais. Na fila de voto especial onde estive hora e meia à espera da minha vez, voto especial foi o nome dado aos votos feitos fora da sua assembleia de voto, junto a mim estavam quatro pessoas recenseadas em Luanda, três na Huíla, duas no Namíbe e seis do Cunene…
A votação propriamente dita decorreu com toda a normalidade, pelo menos nas assembleias de votos por onde andei. Abriu tudo à hora marcada e as grandes filas que se formaram logo a partir das seis da manhã, tinham desaparecido por volta das onze. Quando depois de votar cheguei a casa e liguei a televisão, fiquei a saber que em Luanda as coisas não tinham decorrido tão bem. Atrasos e muita desorganização só me vieram dar razão quando eu digo que o pior de Angola é Luanda. Trezentas e vinte assembleias de voto de Luanda terão de abrir ou reabrir hoje, (vamos ver se abrem)… Não é nada ilegal dado que estava previsto dois dias de votação em casos extraordinários mas teria sido muito mais bonito.
domingo, 31 de agosto de 2008
Um dia como qualquer outro
Do camião que foi ontem à vila carregar combustível para a unidade industrial recebemos a comunicação que em Calulo o combustível estava esgotado. Situação habitual… Foram dadas orientações para que seguisse até ao Dondo, mais 90 Km, onde normalmente não esgota. Já hoje pela manhã, com a ameaça de esgotamento cada vez mais real alguém se lembrou que poderia também não existir combustível no Dondo. Situação menos frequente mas que também acontece. Para evitar que o motorista resolvesse regressar sem carregar o combustível tornou-se urgente ligar-lhe a saber o ponto da situação, o que tinha de ser feito com ele ainda ou já no Dondo ou arredores, único local onde existe rede de telemóvel no caminho entre Calulo e Dondo. Com o telefone satélite numa das suas birras, recusando-se a fazer a ligação, ficou a restar apenas a hipótese do morro. Alguém descobriu que no morro, sentado numa determinada pedra, e tem mesmo que ser sentado porque de pé já não se apanha rede, se consegue falar através da Movicel. Era “apenas” fazer 10 minutos de picada de carro e mais 15 a pé a subir a montanha.
E resultou… Sentado na pedra, a meia encosta da montanha imponente, consegui falar com o motorista. Estava na fila desde as 5 da manhã e havia a informação de “fonte segura”, estamos no cacimbo e as fontes neste tempo seco nunca são seguras, que chegaria combustível de Luanda por volta das 13 horas. Ficou orientação para ir até Catete, mais 140km em direcção a Luanda, caso a promessa de chegada de combustível ao Dondo não se verificasse.
De regresso a casa encontrei um vendedor já habitual de carne de caça. Quase todos os dias aparece com algum animal morto para vender. Desta vez trazia jibóia ( Serpente que chega a atingir 9 metros) às postas. Novecentos Kuanzas (Cerca de 9€) por trinta centímetros de jibóia. Dizem que é uma carne muito saborosa e houve quem comprasse. O lanche hoje foi jibóia grelhada e favos de mel recheados com larvas de abelhas. Dizem que também é bom mas eu passei nos dois petiscos…
Entretanto o motorista chegou, ainda antes do jantar, com o camião carregadinho de combustível para mais 15 dias de laboração…
sábado, 16 de agosto de 2008
Normalidades
segunda-feira, 11 de agosto de 2008
A Vingança
domingo, 10 de agosto de 2008
Sábado de Lazer
- Às duas horas os cães ladraram muito.
- Também ouvi. Talvez algum bicho que por aí andava…
- Talvez um bicho de duas pernas. Ouviu-se festa ao longe toda a noite e devem ter passado por aí já bem tocados!
Era mesmo gente que tinha passado nas imediações. Ouvi vozes ao longe momentos antes de os cães começarem a ladrar.
Às cinco e meia já o grupo era de três e a conversa e muito mais gente se ia levantando. A empresa não trabalha ao sábado e tem um carro que sai às seis hora e que leva quem quiser aproveitar a boleia.
Apenas oito resistiram à debandada geral e às nove horas da manhã já estávamos a almoçar carapaus estufados com arroz branco ou batata cozida. Acabados de almoçar ficamos com um dia inteiro para passar e pouco que fazer. No meio do mato, a quilómetros da “civilização” não é a televisão, mesmo com a novidade das Olimpíadas, que seduz os residentes… mas era o que havia para passar o tempo e chegamos a estar durante algum tempo a ver a prova de ciclismo.
Ainda não tinha acabado a prova quando o mecânico sugeriu que fizéssemos uma excursão à mata buscar uma peça necessária para acabar a reparação de um catrapilar. Uma peça minúscula impedia que se terminasse o trabalho e na mata existe uma máquina idêntica, abandonada já há muitos anos. Nova na altura, estava a abrir uma picada quando acabou o combustível. Por incúria, por incompetência ou impossibilidade devido à guerra, nunca mais lhe meteram combustível e a máquina nunca mais andou.
Como a alternativa era ir a Luanda, provavelmente a ter que encomendar a peça por não haver e com sorte dentro de um mês ter a peça na mão, resolvemos ir às “compras” à mata.
Chegados ao local encontramos a máquina protegida por um enorme enxame de abelhas com a colmeia mesmo junto à peça pretendida. Abelhas selvagens africanas, difíceis de lidar devido à sua grande agressividade. Mas não foi isso que nos fez desistir, até porque agora podíamos cumprir duas missões. Retirar a peça e conseguir algum mel. Apareceram logo “entendidos” no controlo de abelhas. Dos seis presentes apenas eu e o mecânico confessamos não perceber nada de abelhas quando os outros puseram mãos à obra. Enquanto faziam os preparativos, abriram alguns cartuchos para retirar a pólvora e cortaram alguns ramos secos e outros verdes. Tudo misturado seria para fazer um fumo especial que poria as abelhas anestesiadas…
Enquanto isso eu ia preparando a retirada. Com a catana limpei o caminho que nos levava até à carrinha ainda afastada uns cem metros do centro das operações. Fechei os vidros do carro, deixei as portas abertas, e quando já ia a regressar para junto dos outros já eles vinham a correr com centenas de abelhas “anestesiadas” atrás deles. Dei meia volta, entrei na carrinha e logo a seguir, de rompante, entraram os outros com algumas abelhas à mistura. A troco de umas ferroadas e dos óculos do mecânico, lá conseguimos a peça. Mas como não houve ninguém disposto a pagar o preço que as abelhas pediam pelo mel, esse ficou lá. Para a tardinha, quando as abelhas já tiverem acalmado e depois do petisco que o homem dos óculos esta a preparar, está marcada a operação de recuperação das lunetas…
quinta-feira, 31 de julho de 2008
Luandando
Quatro pessoas dentro do carro, três delas conhecedoras profundas de todas as ruelas do bairro, esburacadas e de terra batida. A viagem de ida foi "rápida", cerca de uma hora. Serviço entregue, promessa de entrega no dia seguinte... tudo corria sobre rodas. Ainda não eram nove horas e já estávamos a regressar.
Pelo primeiro caminho tentado, demoramos uma hora a percorrer menos de 1000 metros. "Eu já sabia que por aqui não ia dar" disse ao condutor um outro conhecedor da zona. "Devíamos ter virado à esquerda ali a trás".
Inversão de marcha, só a inversão de marcha dava um post, e lá fomos nós pelo caminho alternativo. Maravilha. Durante algumas centenas de metros conseguimos sentir quão irregular é o piso daquelas ruas. Batíamos com a cabeça no tejadilho mas ninguém se importava com isso. Finalmente estávamos a andar!!! Até que... ao virar de uma esquina, novo engarrafamento, tão parado como o anterior. Milímetro a milímetro, com tenacidade, fomos avançando! Quase uma hora e mais alguns milímetros vencidos quando o terceiro entendido dispara " Pelo mercado é mais rápido".
Lentamente fomos avançamos, rompendo uma massa de milhares de pessoas, vendedores e compradores de tudo que se possa imaginar, que miraculosamente iam arranjando o espaço que permitia o avanço do automóvel. Ignoramos algumas observações em tom de brincadeira provocatória à cor tendencialmente clara da pele dos ocupantes da viatura e persistimos. Ali não era possível o recurso à inversão de marcha... Por um golpe de sorte ou por conhecimento de quem fez a sugestão da alternativa, nunca o saberemos porque no dia seguinte tudo pode ser completamente diferente, conseguimos avançar a uma velocidade muito satisfatória, suficiente para nos pôr na Sonangol às 11:45.
Amanhã o radiador está arranjado, vai ser preciso ir buscá-lo...
quarta-feira, 30 de julho de 2008
Kinaxixe
Dizem que no lugar do emblemático mercado do Kinaxixe (antigo Maria da Fonte) vai nascer um grande e moderno centro comercial.
É a Luanda do futuro em construção.
terça-feira, 29 de julho de 2008
Luanda
São seis da manhã e já estou acordado desde as 4:30. Segunda noite em Luanda e segunda noite de um dormir sobressaltado. Para quem ultimamente tem dormido no meio da floresta e apenas acompanhado pelos seus sons característicos, torna-se difícil conseguir dormir num quarto virado para uma das ruas mais movimentadas de Luanda. É o barulho persistente dos geradores, as conversas eufóricas na rua até altas horas da madrugada, veículos de escape livre em corridas citadinas, um alarme que toca de cada vez que um carro passa perto, camiões vazios a caminho do porto a bater os taipais em cada salto… mas praticamente deixaram de se ouvir as sinfonias de buzinadelas que há três nos acordavam ainda antes das cinco da manhã. Desde que estou acordado ainda não consegui ouvir nenhuma buzina.
E chegou a hora de me preparar para mais um dia na nas ruas da cidade. :-((
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Fim de semana "monótono".
Depois de uma semana completa passada no isolamento da mata é altura de ir até à vila tomar contacto com o mundo. Veio mesmo a calhar o jogo para o Campeonato Nacional que o Recreativo, clube da terra, iria realizar com o Benfica de Luanda. O jogo correu bem e o bom jogo do Recreativo permitiu uma vitória por dois a um sobre o Benfica. Perder com uma equipa de uma vila do interior que é estreante no Girabola não agradou aos da capital e no fim o árbitro foi o “culpado”. Depois de uma pequena escaramuça com o árbitro como epicentro tudo acalmou com a pronta intervenção da polícia.
Ainda no estádio fomos convidados para um aniversário. Ao fim de semana há sempre uma festa em qualquer lado e como todos se conhecem, as festas são um local de reencontro. Muda o local mas as pessoas são sempre as mesmas. Depois da festa um salto até à discoteca e regresso a casa já de madrugada.
O plano era ficar pela vila durante o Domingo e regressar à fazenda ao fim do dia mas como em Angola o imprevisto é a normalidade, às sete da manhã tudo o que estava programado caiu por terra. Alguns trabalhadores da empresa levaram a notícia que um outro empregado tinha morrido. Trabalhou na sexta feira, foi dispensado a meio do dia por se estar a sentir mal e faleceu às quatro da manhã de Domingo. Morre muita gente em Angola sem motivo aparente. Rapaz novo, com mulher, uma filha de três anos e a mulher grávida de sete meses.
Voltamos à fazenda, 35 km em picada e uma hora de caminho, com os carpinteiros também funcionários da empresa, que apesar de ser Domingo se prontificaram para fazer o caixão. Por volta das quatro da tarde tinham o caixão pronto. Nova ida até à vila para levar o caixão à família. Apesar de o trabalhador em causa apenas ter trabalhado dez dias durante, a empresa teve em consideração o facto de a viúva ter ficado grávida e com uma criança quase de colo e decidiu pagar o mês na totalidade. Ao tentar entregar o dinheiro à viúva foi-nos dito que quem tinha direito ao dinheiro era a mãe do falecido e não a viúva… não sei como foi gasto aquele dinheiro que teria sido uma pequena ajuda para as crianças, mas quem sabe o que é um óbito tradicional em Angola pode imaginar.
Já era noite quando voltamos à fazenda. Hoje é segunda feira, tudo voltou ao ritmo normal e as borboletas continuaram a passar aos milhares, indiferentes a tudo...
domingo, 20 de julho de 2008
sábado, 19 de julho de 2008
Borboletas
Dia 15-07-08
Pode cair sobre mim a maior tempestade tropical, com chuva torrencial acompanhada de trovoada forte que até me serve de embalo para um sono retemperador, mas o vento nocturno enche-me de uma inquietude que exige a minha vigília. Cansado de esperar pelo novo dia, levantei-me logo que ele timidamente se anunciou e deparei-me com um espectáculo inédito para mim.
Borboletas, borboletas, borboletas… horas e horas seguidas de nuvens brancas de borboletas com uma rota definida em busca de um objectivo pré determinado. Todas iguais, e curiosamente a voar contra o vento quase ciclónico que soprou toda a noite e continuou durante toda a manhã. Já assisti à deslocação em massa de gafanhotos e a saída aos milhões de formigas aladas mas as borboletas são um espectáculo muito diferente. Tudo se processa numa calma silenciosa, sem o frenesim característico dos gafanhotos ou da desestabilização provocada em todos os animais pelas formigas aladas. Subitamente, por volta do meio-dia e como que por encanto, deixou de se ver borboletas…
Dia 16-07-08
As borboletas reapareceram e passaram, passaram, passaram…
Dia 17-07-08
E as borboletas continuam...
A Viagem
13-07-2008
A partida prevista para as 20h50m do dia 11 de Julho só aconteceu muito perto das 22H. Isto obrigou a uma correria pelos corredores do Aeroporto de Lisboa para não perder a ligação com o voo para Luanda. Ultrapassado este pequeno percalço inicial, a viagem decorreu sem outros incidentes. Durante sete horas, suspenso entre o céu e a terra e rodeado por mais 300 pessoas, apenas tive durante alguns minutos a companhia das personagens de um livro do Mia Couto. Mais se acentuou o sentimento de solidão quando a partir de uma certa altura verifiquei que já todos dormiam à minha volta, e as sete horas transformaram-se numa eternidade.
Às cinco e meia da madrugada, sem ninguém a ocupar o lugar a meu lado, e ainda com tudo a dormir, abri a vigia e reparei que uma ténue luminosidade aparecia no horizonte. Tive então direito a um espectáculo exclusivo. O aumento progressivo da luminosidade foi apagando as estrelas que ainda se mostravam e o negro do céu foi-se transformando em azul. O sol que se anunciava pintou de cores quentes e vivas as nuvens próximas do horizonte e mostrou aos poucos o manto contínuo de nuvens brancas por baixo do avião. Por fim mostrou-se em todo o seu esplendor durante alguns minutos, e quando pouco depois o avião começou a descida para o Aeroporto de Luanda, o Sol fez-nos companhia na descida até se esconder novamente no horizonte, vindo a reaparecer novamente depois de já estarmos em terra. Não pude assistir ao novo nascer do Sol por já estar dentro do edifício do aeroporto o que me desgostou. Poderia ter assistido a dois nascer e um pôr-do-sol em menos uma hora.
Depois foram as formalidades habituais, desta vez correram bem, e ir directamente para o trânsito já caótico de Luanda às 8h da manhã de um sábado, 12 de Julho de 2008. Uma ida à “lota” comprar peixe para levar para a fazenda, comer qualquer coisa, nada de leites e bolos, bife completo por volta das 9h30m, mais compras de mantimentos para alimentar mais de cem pessoas durante 15 dias, e pé na estrada para mais trezentos e oitenta quilómetros de estrada asfaltada até Calulo. Mais uma paragem no Zenza para almoçar. Na verdade foi apenas para comprar cerveja fresca para acompanhar as sandes que já levávamos de Luanda. É quase impossível encontrar algum sítio na estrada que venda comida, apenas bebida, bebida, bebida…
Chegada a Calulo pelas 17h30. Mais uma paragem para descarregar algumas coisas e jantar antes de partir para a fazenda. Não se conseguiu avisar a que horas chegávamos e não quisemos arriscar chegar e não ter jantar. Depois de jantar, mais 45Km de picada até à fazenda onde fomos encontrar quem lá estava ainda a comer e com jantar pronto para nós. Já não voltamos a comer… Um banho de chuveiro com água quente, banalidade na Europa mas um luxo aqui onde na própria vila é difícil de conseguir, e nem o barulho do gerador a trabalhar a 20 metros da casa impediu que adormecesse profundamente.
O Local
Depois de 9 meses de ausência, as más condições de alojamento deixadas na altura, tornaram-se péssimas. A empresa mudou-se de “armas e bagagens” para uma nova área de intervenção e tudo ainda está por arrumar. Tudo está improviso de tal modo que até para mim, conhecedor desta realidade foi um choque. Para alguém habituado à vida na Europa, é inconcebível conseguir viver assim, mas por cá e aqui no interior, onde a Guerra andou em força e as pessoas lutaram durante anos e anos apenas pela sobrevivência do dia a dia, estamos no paraíso…
(Continua…)
segunda-feira, 7 de julho de 2008
Hora Zero

sexta-feira, 4 de julho de 2008
Procuras
quinta-feira, 3 de julho de 2008
Contagem decrescente...
domingo, 1 de junho de 2008
Crianças
sábado, 10 de maio de 2008
Batalhas
sexta-feira, 9 de maio de 2008
Longe Daqui
No meio da tempestade
Enchem-te a cabeça
E por todas as frentes
Um homem muda tanto
Relembras o teu sítio
Do ir ou do voltar.
quinta-feira, 8 de maio de 2008
quarta-feira, 7 de maio de 2008
Sonhos

A Valsa,
O Tango,
A Dança das Ondas...
E depois adormecer,
Numa cama de água dourada,
Sonhar cheiros de Maresia,
De infinitos instantes.
terça-feira, 6 de maio de 2008
segunda-feira, 5 de maio de 2008
Tempos
sábado, 5 de abril de 2008
Um pôr do Sol!
Preenche-me a moldura dos olhos,
Tentando fazer esquecer
Mais um dia inútil... Vazio.
A brisa que sopra quente,
Como um embalo de mãe,
Ondula a vegetação
Adormecendo a paisagem,
Que já espera um novo dia.
E o tempo parece mais lento
E ainda mais inútil.
Negar o tempo,
É o melhor modo de o vencer.
Mas com a vida tão curta,
O tempo fica tão longo
Quando o queremos negar.
sexta-feira, 4 de abril de 2008
O Sonho
Fonte: colaboração de Hernani Francisco da Silva, da Missão Quilombos
Eu tenho um sonho!
Morreu o homem mas o seu sonho continua vivo na consciência de milhões em todo o mundo. Hoje também quero sonhar. Quero sonhar que um dia já não precisarei de sonhar.
quarta-feira, 2 de abril de 2008
Mentiras?
Hoje diz-se que estas notícias não estão confirmadas... provavelmente terá sido mesmo mais uma mentira do 1 de Abril e o Zimbabué, a África e o Mundo não ficarão mais limpos.
terça-feira, 1 de abril de 2008
O Rei vai nu!
O que aconteceu depois não nos é contado por Hans Christian Andersen, mas eu posso imaginar os ministros a serem demitidos, os falsos alfaiates presos e decapitados e o rei a nunca mais sair do Castelo, onde morreu em total solidão e o rapazinho, depois de ser tratado como herói pelo povo, casou com a princesa e fez todo o povo do reino feliz para sempre.
Mas isso foi na história...
Na vida real, a menina real ainda não tinha chegado a essa parte da história acabadinha de receber em SMS, quando a professora lhe tirou o telemóvel. Como queria saber a frase mágica que lhe abriria as portas do coração do príncepe, desesperada gritou: "DÁ-ME O TELEMÓVEL, JÁ". E devido a este lapso, causado pelo excesso de zelo da professora, a nudez do nosso ensino permaneceu escondida.
A menina foi fechada pelos ministros, e sem o telemóvel, nas enormes masmorras do Castelo, onde por mais que gritasse ninguém a ouviria. Hoje ninguém sabe dela. Dos alfaiates charlatões ninguém ouviu falar, mas consta que continuam aí usando múltiplos disfarces, e o Rei, vaidoso das suas roupas exclusivas, continua a passear-se nu diante dos olhos de todos, alegre e feliz até ao fim dos seus dias.
segunda-feira, 31 de março de 2008
Mais reflexos que reflexões!
Coisa simples, muito mais simples do que pensava, fazer nascer um blog. Basta seguir as ordens, ensinam-nos e obrigam-nos a saber fazê-lo desde muito pequeninos, ir carregando em botões e a coisa vai-se construindo por ela. Milagres da tecnologia... Milagre também é o que é necessário fazer para manter o blog vivo. É coisa difícil, muito mais difícil do que pensava.
Sem ser adepto da febre bloguista que se apoderou dos viajantes do ciber-espaço, e consciente de não ser possuidor de nenhuma das características necessárias para manter um projecto desta natureza com qualidade mínima, vi-me com a criança nos braços juntamente com todo entusiasmado de que se é possuído quando ao ver algo nosso a nascer. Tal como quando se tem um filho, o entusiasmo dos primeiros tempos vai dando lugar à dura realidade. Constatei com o filho e com o blog. Ou se consegue manter o entusiasmo, pondo amor em todas as tarefas rotineiras do dia a dia necessárias para lhe levar algum conforto e felicidade, ou o que tanto desejamos passa a ser mais um fardo na nossa vida. E infelizmente há tantos exemplos desses... mas não era de coisas sérias que eu queria falar.
Continuando...
Depois de algum tempo de paragem e alguma reflexão, continuo sem encontrar uma finalidade, uma justificação, para a existência do blog, mas, saltando despreocupadamente de incoerência em incoerência, porque só com elas a vida faz algum sentido, resolvi continuar. É que talvez no futuro encontre uma finalidade, uma justificação para tudo. Mesmo para aquilo que não faz sentido. Talvez até para a minha existência. Quem sabe...
sexta-feira, 7 de março de 2008
Verdades
Verdades e mais verdades!
Verdades para todos os gostos,
E todas feitas por medida.
Muitas logo inscritas,
Na pureza da infância.
Da escola e da religião,
Da pátria e da família...
Outras ainda gravadas,
Em jovem vitalidade.
Do grupo e do partido,
Do clube ou da etnia...
Mas muitas outras são nossas,
Vindas bem lá de dentro.
De vaidades e preconceitos,
De convicções e intolerâncias...
Se chegamos despidos de tudo,
E partimos sem nada vestido,
Por quê consumirmos a vida
Vestindo verdades inúteis?
quinta-feira, 6 de março de 2008
Palavras
mas sempre travadas.
Palavras que rolam
Na mente inquieta.
Palavras tão lisas
De tanto rolar.
Palavras cansadas
De tanto esperar...
Palavras não ditas,
Mas que tudo diriam!!
terça-feira, 26 de fevereiro de 2008
Bolachas de Lodo
Já vimos a miséria extrema na televisão. Abutres pairando sobre crianças que vão morrer não tarda nos descampados de África, à míngua de tudo. Camponeses comendo ervas dos caminhos. Eu vi em Bombaim seres humanos com menos dignidade que as minhas sandálias, a poucos metros da mais ofuscante opulência. Faz-se um nó no estômago mas um Comboio espera-nos ou um Pôr do Sol, e a escala desmedida da desumanidade da paisagem tem um estranho poder anestesiante.
Por isso dei comigo espantado com o que nestas imagens, dez imagens de uma foto galeria anteontem publicada no El Universal, me provocava uma insensata tristeza, uma estúpida vontade de chorar. As imagens e as notícias que elas dão correram ontem os jornais da América Latina e já foram confirmadas pela FAO. Elas confrontam-nos com a pobreza extrema que varre o Haiti. Há milhares de famílias que não podem comprar sequer uma libra de arroz e isso explica o fenómeno das bolachas de lodo. Se puderem procurem na net. Procurem as imagens, as centenas de latinhas espalhadas no chão dos mercados de City Soleil, as quais vão secando ao sol as bolachas de lodo, moldadas por mãos que parecem de oleiro. Poderíamos legendá-las: Olaria da fome. Uma das legendas do El Universal fala de alívio para a fome. Outra explica que o lodo é uma fonte de cálcio e anti ácidos. Há uma mulher que fala de dores de estômago por causa das bolachas de lodo comidas ao longo do dia. Ainda não inventaram bolachas de lama light ou lama integral. O que se passa é ainda a arte desesperada que povoa os mercados. A receita é simples: Terra, sal e azeite vegetal.
Vejam como ficou a língua deste miúdo. O pequeno Cajane de 11 anos, que acabou de comer uma bolacha de lama. Esta língua que desafia os dicionários da bondade social. Eles anotam "tirar o pé do lodo" no sentido de puxar a vida para cima, sair da miséria. Cajane mostra entretanto a língua como quem mostra as mãos vazias. Os dicionários ainda não acolheram a expressão "Provar o Lodo". Os dicionários, tal como as políticas sociais, não têm a elasticidade do Livro das Ignorâncias de Manuel de Barros, mas o menino do Haiti está nos versos do poeta do Pantanal: "Fui adoptado em lodo", ainda que ao contrário de Bernardo não possa dizer "estou deitado em composturas de águas". Charllene, 16 anos, um filho de um mês, há dias em que não come senão bolachas de lama. Diz que tem dores de estômago e que quando amamenta, lhe parece que o bebé fica também com cólicas.
Eis o Haiti. Se puderem procurem as imagens na net. Algumas são... estranhamente belas!!
"Sinais" TSF - 31/01/08